Blog do Carpinejar

PLAQUETAS DE AEROPORTO

Arte de Cínthya Verri

Sempre acalentei o sonho de desembarcar no aeroporto e assumir uma identidade falsa. No saguão, avistaria uma placa, tipo Sr. Nertal, e abandonaria meu CPF:

— Sou eu!

Não forçaria intimidade, soltaria evasivas sobre as condições climáticas e o tempo de viagem. O impostor é que tem necessidade de convencer e fala pelos cotovelos.

Seguiria no carro com a arrogância de um casaco na mão. Seria levado para um negócio ou uma trama no escuro, concordando nas duas primeiras perguntas e discordando nas seguintes. No primeiro contato, não existem questões dissertativas, somente de múltipla escolha. Até um chutador de vestibular goza de método e cria ordem da casualidade. Fácil convencer que sou um outro, a maioria das comitivas de recepção não conhece realmente o convidado.

Não arrisquei ainda porque não provoco mais a minha sorte. Terminaria numa emboscada de traficantes ou num encontro sigiloso de cobaias de medicamentos.

O que me enerva nas minhas chegadas é que qualquer coordenação de feira e palestra promete que haverá um motorista me aguardando com a plaqueta de meu nome. Nunca há. O motorista tem vergonha de receber alguém. É sua maior humilhação, entende como um rebaixamento de seu posto. Uma agressão ao seu status. É acumular cargos. Alguns mandam os filhos para se prevenir das piadas dos conhecidos. Outros, mais religiosos, supõem que a clarividência irá salvá-los, que desvendarão o passageiro pelo cheiro de poltrona e pelo trotear das malas.

O impasse é que o motorista ou seu representante juvenil deixa o cartaz entre os joelhos e o umbigo, totalmente abaixado e virado. Quase como protegendo o saco numa cobrança de faltas. É o único lugar que não vou olhar.

Realizei centenas de voos e não ganhei sequer um letreiro levantado ou afixado no peito. Era minha aspiração literária: experimentar um dia de torcida para quem não foi esportista e não ouviu seu nome gritado pelas arquibancadas. Que seja uma cartolina escolar com letras falhadas e a régua de lápis por baixo. Não exijo um impresso, que é muito profissional. Eu me bastaria com uma folha de ofício e caligrafia apressada de agente rodoviário.

O que costuma ocorrer é pousar, passear pelas salas e não localizar ninguém paramentado, telefonar para a produção, descrever minhas roupas e descobrir que o motorista estava ao meu lado, discreto e despreocupado cortando as unhas no cinzeiro. Atendemos os celulares ao mesmo tempo e ele não sente culpa alguma pelo desencontro. Pega o papel indigesto, amassa em quatro vias e coloca no bolso.

Motorista abomina porta-estandarte, não admite ser passista de aeroporto. Sofre cólica ao imaginar que espera um macho. Deduz que terá prejuízos incalculáveis com sua clientela. O cartaz é seu airbag, o último recurso numa colisão.

Já flagrei um buscador com guardanapo de boteco. Só que ele não precisava assoar o nariz com meu sobrenome.



Crônica publicada no site Vida Breve

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