PORTO ALEGRE É CONHECER BEM
Foto: Reprodução
De manhã a capital gaúcha é uma cidade do interior, de tarde é uma metrópole brasileira e de noite é uma civilização platina.
Porto Alegre muda conforme a hora que acordar. Se levanta cedo, para caminhar ou correr, existe uma brisa engarrafada que vai suavizando os primeiros raios solares. O Parcão, a Redenção, o Marinha e a Encol são como piscinas de luz. As árvores ficam prateadas e o solo manchado de frutas e amansado de pedrinhas espelha os saltos dos pássaros.
A cidade é mais verde, mais impressionista, transfigurada pela claridade.
Reencontramos os municípios do interior em Porto Alegre. É possível ouvir o tamanho do silêncio e do Guaíba: o chimarrão sorteando bocas e o olhar convicto e duradouro. Moradores varrem as ruas e podem enxergar, ao fundo das lajes, o jogo da amarelinha de suas infâncias. A térmica é filha da chaleira e preservamos os laços com a vastidão do pampa cuidando de nossas cercanias.
Transportamos as crianças para as escolas e lustramos a esperança dos sapatos. Doamos um tempo maior cumprimentando os colegas e trocando amenidades. O sotaque está mais carregado, talvez menos usado, não falamos tanto ainda.
Para quem desperta ao meio-dia para a vida, o vitral poético agora possui a objetividade de uma janela. Porto Alegre torna-se brasileira. Uma metrópole envolvida pelos sons das buzinas e arames das construções.
É como se um diretor modificasse a cenografia do palco: os carros aparecem rasgando as avenidas e o mato se resguarda nas sombras. Os viadutos crescem, as passarelas criam um tráfego nas cabeças e os edifícios trocam suas regatas por roupas sociais. Porto Alegre volta a ser superpovoada. Os táxis vermelhos são neons e filtros de Instagram. Os ambulantes ocupam as calçadas. As pessoas conversam alto, acentuando as vogais. Hora de trabalhar com afinco e desculpar esbarrões com as promessas de churrasco no fim de semana. A pressa junta todos nos mesmos lugares. Existe um quê de nervosismo e um não sei o quê de confiança.
É entardecer que viramos uma cidade platina, vizinha de Montevidéu e Buenos Aires. As casas antigas reforçam o seu amarelo ouro, e a noite nos envelhece juntando minuano, melancolia e violinos. Da música gauchesca de manhã, transitamos pelo rock e MPB de tarde e diminuímos o ritmo com as milongas de noite. Hora de pensar mais fundo e suspirar.
Nossa alma tem diferentes passaportes ao longo de 24 horas. Atravessando a Borges de Medeiros, com os arcos e lâmpadas antigas, temos a sensação que avistaremos Mario Quintana fumando e Érico Verissimo de gola rolê debruçados nas muradas.
Os fantasmas queridos, nossos ancestrais divinos, tomam chá conosco enquanto bebemos café.
Reina uma satisfação de pertencer ao torrão. Levaremos o cacetinho para a família debaixo do braço, com o orgulho inexplicável de percorrer vários países e épocas sentimentais sem sair de Porto.
Publicado em Zaffari em 22/04/17