PROBLEMA DE CONTATO
Arte: Eduardo Nasi
Lembro que na minha infância eu tinha um abajur com problema de contato. Jamais mandamos arrumar.
Eu precisava ajeitar o seu pedestal de um lado para outro, até que a luz se firmasse.
Minha tática era colocar um livro de apoio por debaixo da luminária. Por mais que eu criasse um padrão, a lâmpada falhava. Os resultados não duravam mais de uma semana.
Venho sofrendo o mesmo na vida adulta com o carregador de celular. O fio se desgasta rapidamente. Fico esticando, dobrando, tiro e ponho sem parar a entrada, invertendo e segurando com força. É patético o meu enamoramento das tomadas. Eu me faço de vítima do esforço repetitivo. Quando o relâmpago surge, esqueço a vontade de comprar um novo. A sorte é a minha eletricista.
Sofro porque não aceito as limitações do cotidiano, busco um jeitinho amigo para me livrar da crise.
As minhas manhãs terminam sendo de Noé: temporais sucessivos. No lugar de construir uma arca, me viro com um bote para acolher os animais da raiva.
Sou imediatista, quero os resultados para agora e o que me interessa não é resolver a questão, mas seguir com o presente e não mudar o roteiro previsto de compromissos.
Não se incomodar de uma vez por todas é se incomodar sempre um pouco por dia.
O fio inconstante do celular, assim com o abajur bipolar da infância, são metáforas da vida amorosa. Servem para entender que dependemos também da praticidade, a poesia e a subjetividade do romantismo podem atrapalhar.
Há relações que são problemas de contato, apenas isso. É falta da eletricidade da empatia. Os temperamentos não se completam de modo nenhum. Não vai acontecer um milagre.
Publicado em Vida Breve em 03/05/17