PROMETEU
Arte de Eduardo Nasi
Você escreve melhor quando está triste.
É a frase que mais escuto de meus amigos. Eu já confio que eles torcem pela minha tragédia pessoal. Boicotam minha alegria. Conspiram para meu levante de lágrimas.
É só me separar de mais uma namorada que eles já me analisam com euforia. Não disfarçam a curiosidade. Contam as horas para o próximo texto. Agradecem que deixarei de ser monotemático e descrever uma única pessoa. Já ouvi de um deles: “Você é muito chato feliz”.
Pode ser paranoia, e deve ser, mas pressinto um riso malicioso com a minha derrocada amorosa. Paira uma satisfação coletiva de churrasco sobre minhas cinzas.
Eu não tenho amigos, mas críticos literários. São agentes infiltrados da editora.
Eles não me querem casado e resolvido. Desprezam as sobrancelhas arqueadas da gargalhada e valorizam o olhar tristonho e perplexo: o olhar fixo de caneta no papel.
Partem da crença de que a minha literatura dá certo se me arrebento. Supõem que o equilíbrio não me favorece, a harmonia não ajuda o estilo.
De aniversário, apenas recebo uísque — eles nem mais explicam o presente. Rezam pelo meu alcoolismo. Rezam pela minha sarjeta. Rezam para que não me recupere do soluço.
Não é brincadeira. Qual o motivo do Zé me oferecer, após um desenlace de relacionamento, uma coletânea de músicas com Espuma ao Vento de Fagner e Sonhos de Peninha? É como afiar uma lâmina ao suicida.
Enquanto tento ser exuberante e florido, eles me empurram ao pântano. Sou o jacaré de estimação de meus comparsas.
Nunca me elogiam quando estou faceiro. Nunca me incentivam quando estou eufórico e realizado. Nunca consolidam a minha leveza. Desaparecem durante as declarações de amor, reaparecem depois nas honras fúnebres.
Eu me identifico como mensageiro de más notícias. Um traficante do desespero. Trago frases e pensamentos do submundo e eles se deliciam com a variedade dos entorpecentes em suas baladas.
Não entendo de onde arrancaram essa certeza. Será que acreditam que não minto desesperado, que a fúria é vizinha da sinceridade, que nasci para ser ferido?
É algo quebrar dentro de mim, que eles isolam a área da palavra e selecionam os estilhaços como joias.
Desconfio de seus conselhos. Quando me avisam que é para ir para direita, preciso olhar o chão para não cair no abismo.
O que eles não preveem é que, sem musa, vai sobrar para eles. Vou falar mal deles.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira