Blog do Carpinejar

QUAL ENDEREÇO?

Arte de Eduardo Nasi

Sempre que entro em táxi no Rio de Janeiro, o motorista me pergunta:

— Vamos pela praia?

Eu não questiono se o caminho será mais longo ou mais curto, digo sim.

Não ligo meu GPS para acompanhar. Não avalio a rota, não procuro me mostrar íntimo das ruas para reduzir o valor da corrida.

Automaticamente digo sim. Intuitivamente digo sim.

Como porto-alegrense desprovido de horizonte marítimo, não tenho como negar. Não tenho como me opor ao luxo libertino das águas.

Acho que ninguém desfruta da coragem de recusar o convite de seguir pela orla. Nenhum turista enfrentará a tentação.

O taxista carioca se aproveita da paisagem. Ruma por Copacabana, ruma pela Barra, por onde as ondas quebram, por onde as ondas cochicham segredos e ostras.

Ele pode estar me roubando, pode estar se valendo do meu total desconhecimento da cartografia.

Azar, dou de ombros à pequeneza. Minha ânsia é pela vastidão da areia. Pela liberdade dos navios. Pelo voo rasante dos pássaros.

Não há como recusar a praia. Mesmo que faça chuva, mesmo que as nuvens sequestrem o Cristo Redentor, mesmo que a neblina engula o Pão de Açúcar.

A maresia me seduz. O mar perdoa minha avareza.

Todas as casas correm para a praia.  Todos os prédios do Rio de Janeiro desembocam na praia. A praia é o único acesso permitido ao devaneio.

Assim é o amor. Vou pela praia. Não me importo de chegar depois. Não reclamarei das dificuldades do trânsito, da lentidão dos motoristas, da bandeira 2, da taxa de bagagem.

Não ficarei reparando se gastarei mais do que possuo. Não ficarei controlando se serei enganado ou traído. O que não quero perder é o oceano me acenando. Não quero extraviar as grinaldas imaculadas da maré e as luzes se multiplicando na superfície azulada.

Não ficarei sofrendo com hipóteses, não me colocarei como refém do repuxo, vou pela praia.

Não ficarei me prevenindo da dor, sonegando promessas, evitando cobranças, tentando diminuir a expectativa de eternidade da relação. Não me enganarei com a bula, não usarei feridas antigas para me censurar.

Vou pela praia. Aviso a minha mulher que nunca iremos nos separar. Assumo o risco: fé é amor entre duas pessoas, já ternura sozinha é melancolia.

Vou pela praia. Amar é ir pela praia. É dar uma volta imensa em nossa vida para nadar nos olhos do infinito.




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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