Blog do Carpinejar

QUANDO NÃO É O DIA DAS CRIANÇAS

Arte de Paul Klee


Os pais raramente acertam os gostos dos filhos. Já recebi aviãozinho que o Rodrigo queria, Rodrigo recebeu carrinho de controle remoto que o Miguel queria, a Carla recebeu patins que todos queriam. Não há justiça na alma, é complicado agradar a uma criança. Minha mãe ansiava para ser trapezista, mas sua mana é que foi levada para assistir ao circo em Guaporé. Meu pai aspirava ser bombeiro, mas seu mano é que colocou o capacete e subiu as escadas do carro vermelho. Minha mulher adorava desfilar, mas seus pais decidiram inscrever somente os guris de casa no curso de modelo em Passo Fundo. Qualquer um guarda uma frustração infantil. Pequena, honesta, simbólica.

Fui um menino sem ambição. Não sonhei com medicina, aviação, engenharia e televisão, não imitava super-heróis, não contava com habilidades para apresentar às visitas como sapatear, cantar, desenhar e escrever. Não alcançava notas altas para me redimir da ausência de dotes. Nem popular, muito menos o CDF da escola; discreto como vira-lata de mercado público. Descobri que era feio no momento em que a mãe avisou que tinha vocação de padre. Descobri que não era inteligente no momento em que o pai me parabenizava pelo esforço.

Tudo aceitava; menos algo. Não abria mão de andar num pônei branco. Pretendia segurar as crinas e desfilar no carrossel vivo ao menos uma vez.

Na praia, aparecia sempre um tio que alugava o cavalinho para passeio. Invejava as crianças que subiam no lombo do animal. Acalentei o segredo nervoso por bandeiras amarelas, vermelhas e pretas. Não entrava no mar para não perder sua chegada. Enquanto meninos e meninas gritavam por picolés e puxa-puxa, eu olhava o horizonte das dunas à sua procura. Não recolhia conchas e mariscos, caçava pegadas de suas patas nas areias.

Cansado de sofrer em silêncio e esperar a adivinhação da família, pedi ao pai para me deixar montar. “Por favor, paga prá mim?”

O problema materno e paterno não é que confundem os nomes dos filhos, e sim que trocam seus desejos. Acho que ele embaralhou os apelos das crias e convidou o Miguel para cavalgar, que não tinha nada a ver com isso. Ainda me orientou a cuidar das coisas.

O caçula vibrava em cima do pônei, o pai puxava as rédeas caminhando na frente e também sorria. Ambos me abanavam, com pose de presidente e vice em carro aberto.

Só perdoei os dois na semana passada, quando meu amigo Mário Corso confessou que foi obrigado a andar numa carroça de cabritos. Não podia consolar sua infância.




Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 11/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16485

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