Blog do Carpinejar

QUANDO O CACHORRO OLHA TUDO

Arte de Eduardo Nasi

Não consigo transar com cachorro olhando.

Eu fico pensando o que o cachorro está pensando daquilo.

É um menage à trois espiritual.

Coitado do cachorrinho condenado a presenciar a sequência de loucura carnal, gritos e acrobacias estrambólicas para sua espécie.

Não tem problema de o cachorro adormecer com sua dona, a gravidade está em não colocá-lo na sala durante a transa.

Pode ser limitação de minha parte, mas é traumatizar o bichinho.

Meu amigo Carlinhos pagou o pedágio do constrangimento.

Iniciara uma relação com Emília, corretora de imóveis. Estavam cochilando quando o jogo das carícias esquentou.

Ele experimentava aquele momento de entender a mecânica da casa: intimidade recente, mergulhado na condição fantasmagórica de visitante. O respeito era maior do que a própria opinião, fase que não se usa o banheiro sem pedir licença.

A namorada tirou a roupa enquanto o Terrier roncava no canto da cama.

Carlinhos arriscou argumentar:

— Não é melhor…

— Não, ele não dá bola…, ela respondeu de supetão, não permitindo que concluísse a frase.

Não dar bola remeteu a cenas anteriores com outros parceiros. Não foi legal. Quer dizer que ele não incomoda, e isso já aconteceu várias vezes, por sinal.

Para o homem, o sexo deveria ser superior a um cachorro olhando. Carlinhos não desperdiçaria a chance e também tirou a roupa.

Quando desenvolveram o vaivém frenético, não é que o Terrier se aproximou de Emília e passou a lamber seu rosto?

A interrupção levemente incomodou Carlinhos, que fingiu entender a queridice, mas também cuidou para registrar onde o Terrier lambia e não repetir o lugar da investida.

Manteve sua postura concentrada. Homem distraído broxa.

Além de namorar Emília, precisava encontrar rapidamente um jeito de se proteger do ciúme canino.

Simultaneidade não é o ponto forte do macho. Fez de conta que estavam a sós, que o cachorro representava um boneco de pelúcia. Um boneco com pilha, pois se mexia.

Com o aumento dos gemidos da namorada, o cão acirrou o cerco. Já rosnava, já latia, já mexia o rabo com violência, já ia para trás com o corpo e para frente com o focinho, como um animal de guarda pressentindo perigo.

Apesar dos inconvenientes, Carlinhos insistia em transar com Emília. Ela, invocando os espíritos de quatro; ele, segurando a cintura dela com força.

O Terrier não desistia. Ainda era possível gozar, ainda, até o instante em que Emília se preocupou em acalmar a mascote:

— Para de latir, ele não está machucando a mamãe!

Só um ninja para não se abalar com o comentário.


 



Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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