QUANTO MAIS..............PIOR
Arte de Andy Warhol
Meu amigo Daniel superou 40 dias de luto da separação, aguentou no osso o divórcio, chorou horrores e debulhou suas lágrimas em copos de bourbon, parou de atender ao telefone e se trancou no quarto.
No 41º dia, ele ressuscitou. E voltou a sair e se divertir. Já estava esquecendo o quanto amava sua ex. Já estava esquecendo que foi amado pela ex.
Um homem somente apaga um amor no momento em que encontra outro. Daniel se enamorou por uma bancária. Badalou vários finais de semana com Heloísa, ria com a franqueza de um adolescente.
Apaixonado? Sim, mas seria o último a saber. Todo apaixonado é o último a saber que está apaixonado. O mundo inteiro sabe, menos o próprio apaixonado. Não adiantava contar a Daniel que ele estava apaixonado, ele jamais me escutaria. O apaixonado é surdo também.
Para comemorar a nova fase de sua vida, Daniel convidou Heloísa para almoço em restaurante francês nos fundos de um casarão.
Ele pediu cordeiro com purê de beterraba; ela, filé mignon com acompanhamentos silvestres.
Ele pediu um vinho chileno; ela avisou que não poderia beber (pois ainda iria trabalhar), e se contentou com uma Coca-Cola.
– Coca-Cola light?
– Não, senhora, só temos Zero – avisou o garçom.
– Ok, não vou me desesperar por um detalhe – replicou.
O casal soltou os braços sobre a toalha para diminuir a distância das cadeiras, ambos se olhavam firme e forte numa hipnose infindável, hipnose à moda antiga, de relógio de bolso balançando.
A mesa estava sobrando entre os dois. Ele se debruçava no prato para arrancar um beijo, ela se levantava para acariciar sua testa. Nada poderia estragar aquele bem-estar. Quase nada.
Mas quando a Coca pousou na mesa, Heloísa gelou, derrubou o arranjo de flores e fugiu para o banheiro soluçando a seco.
Ele olhou a Coca com calma: Será que tinha uma barata?
Não achou coisa alguma, até que leu um nome. A marca decidiu homenagear seus consumidores nas latinhas.
Era o nome de sua abominável ex: Carolina.
“Quanto mais CAROLINA melhor”
Heloísa não aguentou a provocação, ardia de ciúme do passado dele.
Quando um refrigerante faz uma campanha dessas, não cogita de que existem desafetos no mundo, ódio familiar, revolta interior, tristeza reprimida, viuvez, gente que levou o fora ou foi corneado ou enganado. Imagina apenas que todos se gostam e que todos vão adorar ver seu nome ou de sua namorada na embalagem.
Daniel amaldiçoou o azar, criou teorias da conspiração, não duvidou da perseguição da megera, cogitou a hipótese de ela subornar o garçom para trazer aquele refrigerante.
– Como, entre milhares de opções, surge em minha mesa logo o nome daquela vagabunda?
Não poderia responder. Heloísa recusou carona e seguiu sozinha para o emprego. Não havia mais felicidade para ser dividida.
Do copo dela, só ficou o limão.
Porto Alegre (RS), Edição N° 17238