QUEM DIZ QUE NÃO SE ARREPENDE DE NADA NÃO TEM AUTOCRÍTICA
Não acredito em quem diz que não se arrepende de nada na vida. Ninguém acerta sempre. Não se arrepende ou não quer admitir que falhou alguma vez? Não se arrepende ou é orgulho enrustido? Não se arrepende ou receia mexer nas feridas? Não se arrepende ou não pretende desabafar? Não se arrepende mesmo ou não deseja passar a imagem humana, honesta, defeituosa para os mais próximos?
Quem não se arrepende de nada não é que aceitou a vida do jeito que ela veio. Não é serenidade. Não é maturidade. É tão somente falta de autocrítica.
Eu me arrependo. Não sou um semideus para não ter rascunhos. Eu tropecei feio dentro de mim, eu troquei os pés pelas mãos, eu menti, eu fui desleal. E pedi desculpa, retratei-me e jamais me envaideço dos meus enganos. Não empregarei desculpas retroativas, a amnésia é uma proteção do ressentimento.
O perdão não deleta o que cometi de torto em minha trajetória, os fatos ruins continuarão existindo como um marco de meus problemas, um limite de minha sanidade, um exemplo para não repetir e magoar os outros.
Guardo um espelho dos fracassos pessoais no lado interno do armário das lembranças - espio de vez em quando para não perder o prumo.
As decepções perseverarão na memória, apesar de resolvidos todos os impasses. Não há ainda borracha para apagar o que foi escrito com o sangue.
Poderia ter sido melhor pai, poderia ter sido melhor filho, poderia ter sido melhor marido, poderia ter sido melhor amigo. Deixei gente na estrada com a pressa de andar e ser feliz sozinho, abandonei quem amava na ânsia das certezas.
Se eu pudesse voltar atrás, não faria de novo. Sei exatamente o que precisava modificar em meu comportamento, com datas e horários. O pecado também usa relógio.
Uma coisa é errar, processo natural e previsível de nossa condição sujeita a acasos e provações permanentes, uma bem diferente é não manter a consciência do erro pelo resto dos dias.
Publicado em UOL em 29/12/2017