Blog do Carpinejar

RETIRO NUPCIAL

Arte de Eduardo Nasi 

Recomendaram-me sair de perto.

— Fique longe dos lugares preferidos do relacionamento, dos restaurantes conhecidos, dos percursos decorados. Revê-la de repente será constrangedor.

Eu ri, afinal como se esconder em Porto Alegre? Inútil como criança buscando refúgio atrás das cortinas. Inútil. Na capital gaúcha, natural se esbarrar num show, no teatro, no cinema. Nossos gostos eram muito parecidos, o que fortalece o acaso.

Se fosse seguir o conselho, não poderia nem assistir ao meu Inter, grandes chances de enxergá-la nas arquibancadas do Beira-Rio.

Para relaxar da paranoia amorosa, fugi para Belo Horizonte. Antes me certifiquei de que não havia nenhum Congresso de Psiquiatria durante o período.

Eu me internei no Hotel Ouro Minas, disposto a retomar o livro de poemas. Nada como o luxo para curar a avareza da separação.

O conforto já me fazia bem: passeava sem medo de traumas e comia sem olhar para a porta.

Mas, no hall de recepção, quando desci para ler jornais, havia cinco casais se amassando. Beijavam-se loucamente, em lascívia cega, similar aos adolescentes nos bancos dos shoppings.

Veio o mal-estar. Pareciam casais cenográficos. Don Juans ensandecidos enfiavam as mãos nos coques das donzelas. Muitos enlaces fervorosos, reticências dos suspiros, juras endeusadas.

Eu fingia ler, apesar da solidão me angustiar. Quando sofremos de amor, qualquer alegria é uma nova tristeza. Recrutava calafrios nas lembranças recentes.

Enjoado, larguei o caderno de Esporte pela metade, cometendo alto sacrilégio masculino.

No almoço, o isolamento aumentou. Tinha a certeza de frequentar uma excursão do Dia dos Namorados ou um cruzeiro de Roberto Carlos. Mesinhas a dois, com luz de velas, os garçons de black-tie, as cozinheiras sorridentes como aeromoças, uma atmosfera romântica pegajosa no ar.

O maître, ao puxar minha cadeira, ensaiou preocupação:

— Sua esposa vai descer logo?

Aquilo me turvou. Será que não havia vida solteira naquele prédio?

Pedi comida no quarto.

De noite, o meu oitavo andar foi tomado de uma onda sonora perturbadora. Gemidos, música alta, cama rangendo. Cada quarto comportava uma rave, era o que dava para imaginar. Impossível adormecer sabendo que todos transam, menos você. Um puteiro seria mais discreto. Havia uma algazarra libertina, as vigas tremiam, os quadros tremiam, minhas sobrancelhas tremiam de raiva.

Na manhã seguinte, antecipei a conta.

O recepcionista questionou o motivo de encurtar a estada.

— Querido, aqui unicamente enxergo casais se amando e esnobando seu amor.

Ele balançou o rosto de modo gracioso, explicou que o hotel realiza uma promoção aos recém-casados uma vez por mês. Naquele fim de semana, o lugar recebeu vinte e nove pares em núpcias.

Desespero não é ser jogado ao pior lugar. É estar no melhor lugar no momento errado.

Voltei imediatamente a Porto Alegre. Agora só faltava encontrar a minha ex com outro no aeroporto.
 
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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