REVOLUÇÃO
- Você tem que ensinar ironia para sua filha, me disse o amigo Gustavo.
- Por quê?
- Ela precisa se defender do mundo.
- Não, repliquei. Ironia ela está farta de saber.
O adolescente tem ironia de sobra. Já é sarcasmo. Ironia para superar a separação dos pais, os desentendimentos dos horários, a obrigação dos temas e as escalas para dormir e voltar. Ironia para suportar as reclamações do trabalho dos adultos, a falta de tempo, as sucessivas renúncias inventadas para cobrar o amor de volta.
Mariana de 16 anos conhece de cor e salteada a ironia. Depende disso quando reitero pela terceira vez o que ela deve fazer e peço para ela repetir minha frase para ver se realmente a ouviu. E percebi que não converso há muito tempo com ela, só quero que ele repita as frases. Ela virou aspas da minha cegueira. Não é um diálogo, são ordens. Eu percebo que ela escutou, mas reforço com o objetivo de manter a autoridade, para mandar nela. Ela pressente a tirania e não responde.
Desde quando repetir é educar? Envelhecemos não quando ficamos surdos, e sim quando acreditamos que o filho é surdo e o torturamos com a insistência das perguntas.
Já arrumou seu quarto? Já estudou para prova? Já tomou banho? Que bagunça é essa em cima da mesa? Onde está meu carregador?
Era uma vez não existe na adolescência, são inúmeras vezes uma única ameaça. É um massacre. Um bate-estaca. O que era um pedido transmuda-se em mandamento e depois em chantagem e, no fim, numa briga de portas trancadas. Somos contrários à decoreba na escola, porém não largamos de difundi-la em casa.
Eu tenho que ensinar ingenuidade para minha filha. Ingenuidade no amor. Ingenuidade no trabalho. Ingenuidade nas amizades. Os jovens estão sobrecarregados de pessimismo, receberam nossas desilusões de herança.
Revolução não acontece com cinismo, política talvez. Revolução é feita com ingenuidade. É acreditar mais do que desconfiar. É ir para frente por uma causa ou um sentimento, não prevendo se vale a pena ou se levarão alguma vantagem pessoal. Que fracasse com convicção, mas experimente os próprios desejos. Toda experiência será sempre uma situação de risco.
Ironia não é sinal de maturidade, muito menos ingenuidade é prova de imaturidade.
Porque logo mais minha filha não começará um relacionamento sem a certeza de que dará certo. Não se aproximará de ninguém ao antecipar os possíveis foras e enganos. Não escolherá a carreira predileta devido à instabilidade. Excesso de cautela não é prevenção, é medo.
Nossos filhos não confiam em mais ninguém, nem nos pais, sequer neles mesmos. Foram treinados a não conversar com estranhos, a não fornecer dados pessoais, a não expor suas crenças. Não se arriscam com a seriedade que o idealismo pede. Serão inconsequentes, não corajosos.
Por favor, minha filha, não me escute, vá viver sua vida com vontade.
Publicado na minha coluna
"Primeiras Intenções"
Revista Crescer
São Paulo, P. 119, Número 201
Agosto de 2010