SADISMO MEMORÁVEL
Arte de Boticelli
Não há maior sadismo do que alguém se aproximar de você e perguntar:
— Lembra de mim?
Se você era capaz de recordar, com a abordagem tratou de esquecer definitivamente. Todo susto, todo assalto, toda pergunta à queima-roupa nos leva ao esquecimento.
É o temido branco. A pessoa que faz isso é muito chata. Muito irritante. Não merece mesmo ser lembrada.
Porque ela percebe que você não lembrou e não ajuda. E espera vê-lo mentir:
— Claro que me lembro!
Para desferir o golpe de misericórdia:
— Então, quem sou eu? Qual meu nome?
Não compreendo o que faz um conhecido praticar essa maldade.
Além de identificar nosso constrangimento, pretende nos desmascarar. Cria uma Comissão Parlamentar Você Não Lembra de Mim.
É natural esquecer com a mudança do contexto. De repente, conhece uma mulher em Curitiba e reencontra em Porto Alegre. A troca de cenários prejudica a fixação dos
dados.
Guardar o nome e o rosto exige tempo, dedicação, reincidência.
A memória verbal não é privilégio da maioria. Cada um tem seu dom. Há gente com memória fotográfica ou pictórica ou cinematográfica ou cênica.
Esquecer não é falta de intimidade. Falta de intimidade é coagir, envergonhar, embaraçar.
Deveríamos sempre nos apresentar toda vez. Seria bonito. Seria educado. Seria galanteador.
Toda conversa seria inédita. Todo encontro teria o deslumbramento e o interesse do primeiro encontro.
Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (30/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola: