SAÍDAS DE EMERGÊNCIA
A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegasMinha escola pública não tinha um único portão de entrada e saída. Na verdade, tinha. Mas eu não poderia arriscar. Vivia no coliseu de Roma. Não se matava um leão por dia, fugia-se dele.
Em minha turma da segunda série, havia meninos muito maiores, já de bigode, que haviam rodado três anos seguidos. Eles roubavam a merenda e criavam um método nada refinado de tortura psicológica com apelidos e ameaças. Era apenas não dar cola na prova que qualquer um já virava jurado de briga.
- Vou lhe pegar na saída!
Quando um dos membros da gangue dos repetentes dizia tal sentença em voz alta, a escola inteira espalhava o indício de briga depois do último período. Improvisava-se a arena na praça, defronte à escola, longe dos professores e das advertências do SOE. Uma escolta de curiosos e mórbidos levava o condenado para o abatedouro e não lhe permitia pensar e declinar do perigoso convite.
No momento em que alguém prometia guerra, não se admitia covardia. A pessoa marcada ficava assinalada para sempre. Até conhecer o sangue de sua boca e perder os dentes de leite.
Terminava sendo a vítima predileta: franzino, desengonçado e de fala fina. Um ideal saco de pancadas para demonstração de virilidade dos agressores.
Eu passava o recreio testando acessos de emergência. Poderia ter sido bombeiro.
Conhecia a segurança da estrutura na palma da minha mão. Pulando duas grades da casinha de jardinagem, eu chegava à rua pela lateral do prédio. Eu me vali desse atalho algumas vezes, corria pela escadaria da Rua Itaqui e contornava cinco quadras. Fiz sempre caminhos mais longos no retorno ao lar. A ida para escola durava 10 minutos, a volta demorava meia hora. A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegas. O sinal mal soava e já disparava, encerrava as tarefas com antecedência para deixar a mochila pronta e escapulir sem perseguição. Pelo tempo apertado, às vezes, não conseguia me desvencilhar do rebanho e dos dedos em riste na minha cara. Daí fingia ir ao banheiro e descia para a quadra de asfalto do futebol, o que me restava saltar do paredão de três metros. A sorte é que uma carroça largava sacos de lixo com jornais e papéis velhos no terreno, que amortizava a queda. Preferia quebrar a perna pulando a dar ao outro a honra das feridas.
Para sair da escola, não dependia de boas notas. Exigia um tanto de preparo físico e de resiliência.
Quando não vejo saída, guardo ainda o costume de abrir as portas de meu medo.
Publicado em Donna ZH em 08/10/2017