Blog do Carpinejar

SAL DA TERRA

Minha homenagem a todos os que cozinham, que sentam por último, depois de levar as bandejas e vasilhas até a mesa.
Minha homenagem a todos os que esperam os outros começarem a comer com expectativa e suspense, para descobrir se acertaram o sal.
Minha homenagem a todos os que se preocupam em servir a comida quente, que gritam que a comida vai esfriar, que, não bastando, batem de porta em porta, de quarto em quarto, chamando desesperadamente, convocando o batalhão a tomar os seus lugares.
Minha homenagem a todos os que não desistiram do trabalho de reunir a família.
Minha homenagem a todos, anônimos, invisíveis, os que se preocupam em fazer um cardápio diferente no dia a dia, mesmo que ninguém note, mesmo que ninguém comente, que sacrificam o seu lazer escolhendo os produtos no mercado e investigando preços.
Minha homenagem a todos os que conhecem exatamente o que têm dentro da geladeira, como se as prateleiras fossem extensão de seu guarda-roupa.
Minha homenagem a todos os que condicionam as panelas a cada tarefa cumprida, para não acumular sujeira.
Minha homenagem a todos os que ainda preparam a salada mesmo sabendo da antipatia da turma.
Minha homenagem a todos os que arrumam a mesa com guardanapos e casais de talheres, revestem a normalidade de rituais, protegem a rotina com o capricho.
Minha homenagem a todos os que rompem a monotonia dos barulhos dos garfos e facas, puxam assunto sobre o trabalho e a escola e buscam conversar olhando nos olhos.
Minha homenagem a todos os que perdem tempo cortando o assado de pé para distribuir as fatias de modo igual.
Minha homenagem a todos os que lembram de afiar as facas e de comprar panos de prato.
Minha homenagem a todos os que se preocupam em ter pratos iguais, pratos gêmeos, para ninguém se sentir diferente.
Minha homenagem a todos os que não têm pressa nem egoísmo e servem primeiro para só depois cuidar de sua fome.
Minha homenagem a todos os que não reclamam de pegar algo a mais na geladeira ou na despensa, que se prontificam a se levantar de repente pelo vinagre, água ou azeite.
Minha homenagem a todos os que estão dispostos a recolher as guarnições, a embalar as sobras em plástico-filme e lavar a louça.
Minha homenagem a todos os que levam três horas para cozinhar para um espetáculo que dura apenas 20 minutos.
Minha homenagem a todos os que nunca são valorizados, que nunca são elogiados, que nunca recebem aplausos: mães, pais, avós e avôs silenciosos, heróis desconhecidos de nossa cozinha, que mantêm vivo o gesto ancestral de se amar pela refeição.

Publicado em Jornal Zero Hora  em 10/7/2018

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