SANTUÁRIO DO RISO E DA GASTRONOMIA
Helena Stacke (com o macaco hidráulico que não deve ser alimentado), a cunhada Janice Ledur, a irmã Marlise, e a mãe, Ila, compartilham a gerência da casa onde a alegria abre o apetite.Fotos de Emílio Pedroso
Nas árvores, uma placa adverte: “Não dê comida aos macacos”. Observando os galhos, realmente há um bando de macacos, mas macacos hidráulicos. Nos bancos, um outro aviso: “Você está sendo monitorado por câmeras”. É só o visitante sacar sua curiosidade em direção à vigilância e desvendar a verdade: o lugar tem câmeras de pneus espalhadas nos postes.
Nos canteiros, um caminho indica que existe criação de mini-porcas. No chiqueiro, porcas de parafuso boiam nas tigelas de ração.
Em gaiolas, as crianças podem admirar um casal de pacus. Peixe voando? Não, dois rolos de papel higiênico entre as grades.
Na ala do mico, as pessoas sobem por uma longa escada destinada a ter um contato inédito com a natureza e cumprimentar o simpático animalzinho. Ao espiar dentro de um misterioso buraco no tronco, encontrarão a própria imagem refletida no espelho. Assim pagam literalmente um mico.
Toda mensagem tem duplo sentido no divertido restaurante Café Colonial, casarão às margens da rodovia Canoas-Soledade (BR-386), em Marques de Souza, cidade a 132 quilômetros de Porto Alegre.
– A alegria abre o apetite – conceitua Helena Stacke, 55 anos, uma das gerentes da casa, ao lado da cunhada Janice Ledur, 37, das irmãs Marlise, 47, e Loine, 57 e da mãe Ila, 79.
As provocações no espaço surgiram da irreverência lírica do comerciante Jorge Luís, antigo proprietário do local, que faleceu de câncer em 2009, aos 38 anos.
– Meu irmão inventou uma linguagem diferente dos sérios e tradicionais pontos de parada na estrada gaúcha. Apostou no acento infantil, na postura de amigo gozador – diz Janice, viúva de Jorge.
Jorge Luís tornou-se um Barão Itararé dos talheres. As ciladas são cartuns ao vivo, despertam associações poéticas com jogos de palavras e inversão de sentidos.
Às vezes desconcerta com o óbvio, zombando do nosso exagero supersticioso e da mania de querer controlar a vida. Uma pedra, mera pedra do Rio Forqueta, é uma estação meteorológica que nunca errou o tempo. O tabuleiro comprova o histórico de cem por cento de aproveitamento.
O público adotou o café colonial como santuário do humor gastronômico. Desde 1970, procissão de fiéis visita o endereço à procura da quebra da rotina e da leveza das charadas.
– Fazer alguém rir já é um milagre, né? – questiona a matriarca Ila.
No início, as pessoas paravam para comer e acabavam rindo das brincadeiras, depois elas vinham rir das brincadeiras e aproveitavam para comer.
– O povo triplicou de uma hora para outra – comenta Janice.
Nenhuma tragédia tira a graça das cenas. Nem o pedágio instalado um pouco antes do local, a 300 metros, que inibiu o livre vaivém dos moradores da região. Muito menos a medida do governo federal, de 2008, proibindo a venda de bebida alcoólica nas estradas, que reduziu o lucro do bar pela metade.
Jorge não chiava, perseguia uma perspectiva otimista dos revezes financeiros. Dentro do restaurante, montou uma abastada estante de garrafas, com o melhor das cachaças mineiras e dos uísques envelhecidos. No alto, escreveu:
Proibido o consumo, mas pode olhar à vontade.
– Mostramos que beber não é uma condição para ser feliz – completa Loine.
O atendimento nas mesas também segue à risca à intransigência da piada. A garçonete está treinada a não obedecer ao pedido para fechar a conta, continua renovando fartas porções de bife, fritas, salsicha Bock, salada de maionese, massa com molho, ovos, pães e cucas.
É uma cena hilária: o comensal suspira que está satisfeito, ela se faz de surda e recoloca as guarnições a cada 10 minutos. Consiste numa verdadeira saideira alimentar: uns recomeçam os trabalhos, outros são obrigados a se levantar com medo de ultrapassar os limites físicos.
– Não desejamos nos despedir do visitante, a refeição unicamente termina quando ele vai embora – explica Helena.
O cliente não tem razão no Café Colonial, o que ele precisa ter é imaginação.
Publicado no jornal Zero Hora
Ps. 20-21, 12/02/2012
Porto Alegre, Edição N° 1697
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