SELVAGENS
Arte de Eduardo Nasi
Eu gozo quando a vejo gozar.
Não resisto aos seus gritos derradeiros, aos seus gemidos abafados, ao gesto imponente de morder o próprio dedo na euforia.
É você gozar que eu gozo.
As paredes são janelas quando amamos. As portas parecem abertas quando amamos. Os vizinhos acordam quando amamos. Uma igreja no domingo não faria tanto barulho.
Com o assobio do beijo, se aproxima de meus ouvidos para me avisar que está vindo, e vou junto, me entrego junto.
O tempo torna-se um longo zumbido, a ponto de não diferenciar seu timbre do meu, a ponto de não diferenciar o que é voz do que é voo. Nossas respirações não respeitam os limites do terceiro andar.
Você desliza com sua língua em meu pescoço, faca que me cicatriza, e se afasta um pouco para oferecer a distância mínima de um espelho. Enquadro seu rosto no meu, e todo esgar me excita, todo pronunciamento de seu queixo me excita, toda mudança de expressão me excita. Alucino-me com sua tez ardendo suavemente, guardando nossos dias em sua pele.
Descobrimos as melhores lembranças já no momento em que vivemos. É a memória da memória. É o desejo do desejo.
Eu me controlo até vê-la gozar. Depois não há mais o que fazer, senão aceitar o destino e acompanhá-lo.
Meus braços serão alavancas de seu salto para dentro. Minhas mãos serão âncoras de seus cabelos loiros. Meu peito é puro encordoamento do seu impulso.
Tudo é breve e infinito, tudo é transparente e denso.
Não há espaço para recuo, chance de voltar. É agora avançar ao desmaio, à plenitude do cansaço, ao esgotamento do riso.
Você gira seu corpo com a fúria de uma árvore no inverno, com a fé de um mar no verão.
Sua delicadeza me contagia de ciúme. Você é unicamente minha. Eu sou unicamente de você.
Não peça que tenhamos modos, controle, equilíbrio. O que sentimos é posse, é possessão, é pertencimento.
Você que toma água mirando o fundo do copo acaba me sorvendo jamais se desviando do fundo dos meus olhos. Você que me abraça na ponta dos pés estica as pernas ao balé do desenlace.
Fixa, inteira, absoluta.
Sua cintura é mais musical do que as curvas de um violino. Seus seios só me agradam de tanto me agredir. Sua nudez é sempre outra nudez: mais linda do que aquela que conhecia antes.
Eu gozo por vê-la gozar.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira