SEM ASSUNTO
Arte de Eduardo Nasi
Quando você recebe uma mensagem “sem assunto” é possível que seja um fora do seu namorado ou namorada. O outro lado encontrou algo que talvez ferre o relacionamento, desde mentira à infidelidade (ou as duas juntas).
Deveria ser criado um anti-vírus somente para evitar sua entrada sorrateira na caixa.
“Sem assunto” representa uma tragédia epistolar, catástrofe confessional, portal de decisões íntimas desfavoráveis.
“Sem assunto” é um intervenção do destino. Despedida desfalcada de aceno e choro.
“Sem assunto” no e-mail nunca é uma notícia auspiciosa, nunca é um chamado alegre de amor ou uma troca de amenidades e carinhos.
Não caia na ideia da pressa. “Sem assunto” é paciência bélica, enervamento proposital.
O remetente está tão desesperado que não conseguiu eleger um único tema. Está furioso, possesso, nadando no torvelinho de ofensas. Tem dificuldade de escolher o desaforo apropriado.
Por uma questão estratégica, não colocará o que desejava como "Foda-se, "Vai morrer no inferno", "Filho de uma p." e ainda "Não me procure mais".
Ele está a fim de xingar , mas não pretende entregar o conteúdo. Busca torturar com o silêncio e o branco do envelope. O gesto é dissimulado: chamar você, despreparado, para dentro da angústia. Uma cilada de palavras para dizer o indizível, e despertar sofrimentos repentinos de atropelamento.
“Sem Assunto” costuma aparecer de madrugada quando você está dormindo e qualquer socorro é tarde demais. Não haverá chance de reparação, é um pedido de despejo, incontestável abandono de laço.
“Sem Assunto” tem o hábito de ser o primeiro e-mail da manhã. Lerá sem café, estranhando a agressividade, conferindo se está realmente na sua conta, não acreditando na violência verbal, amargando os olhos agredidos pela sombra.
Se souber o motivo, pior. Se não souber, também pior.
Não acusará o golpe de primeira. Lerá cinco vezes até entender que é verdade. Mesmo que seja suspeita, fracassará em responder, deitará no ar agarrado ao suspiro.
Sem Assunto não é uma carta aberta ao diálogo, e sim um misto de testamento e sentença.
Quem escreve e-mail “sem assunto” criou o precipício sem Orçamento Participativo, sem consulta popular, sem avaliar as bases eleitorais.
“Sem assunto” é uma cova aberta. Você entrará de chinelos jurando que era mais uma obra de trânsito em sua rua.
“Sem Assunto” é um paredão de fuzilamento. Fecham-se os olhos, porém não os ouvidos. A ameaça do tiro já mata.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira