SEPARAÇÃO FELIZ
Você deve se separar quando está feliz. É meu excêntrico conselho. Porque não adianta se separar na tristeza se continua casado com a alegria do outro. É só a fase ruim passar que terá recaída e esquecerá as mágoas. É só o desentendimento esmorecer e a luz do sol bater na sala e no quarto que o amor manda de novo em casa.
Uma decisão fora de si perderá a validade quando voltar a si.
Você é capaz de rebater os ressentimentos e as brigas com facilidade, justificar o fim com rotina morna e sem sexo, mas não resistirá ao riso do seu par, às promessas de festa, aos carinhos e juras apaixonadas.
Precisa não gostar mais dentro do contentamento, para não cometer o engano de se afastar de uma das facetas de sua companhia e permanecer secretamente vinculado às demais.
A tendência é correr do namoro ou casamento no desespero, por pura ânsia, sem distanciamento do todo, sem recobrar as caminhadas deliciosas de mãos dadas e dos pés se acarinhando de noite.
Se não tem coragem de pedir o desenlace no céu, a queda é ensaio para repetir o voo.
É uma sabotagem piorar o que se encontra pior – raro é definir a incompatibilidade na mansidão.
Ao fugir às pressas do que incomoda, será perseguido depois por aquilo que lhe satisfazia e não tem mais. É se dar um tempo sozinho que as lembranças irresistivelmente agradáveis tomarão conta, e se achará um idiota por não comparar o joio e o trigo, a joia e a gema.
Precisa definir o fim durante a reciprocidade, não na falta, a carência é uma miragem e produz distorções e exageros.
Precisa elaborar o julgamento na presença, pois reclamar da ausência é parte da saudade.
Precisa propor a partilha no período de paciência, com o juízo firme e a esperança atenta, jamais com o orgulho ferido ou em meio à coerção das gritarias e ofensas.
O problema é que os pares rompem os laços quando estão mal, inventando purgatórios entre os amigos e familiares, e depois sucumbem aos encantos quando se recuperam e se veem pacificados da raiva.
No romance, o inferno é próximo e complementar ao paraíso, mas o medo de uma semana difícil ser para sempre causa precipitações.
Se a separação não é feita no momento favorável, é que ainda não está seguro da mudança.
Desamor mesmo é querer ir embora quando tem todos os motivos para ficar. Ir no melhor dia porque nem o melhor dia segura.
Se não ama mais, daí sim nem a alegria fará efeito. Nem o beijo mais longo. Nem o abraço mais demorado e mais cálido. Descobrirá que é um estranho para um estranho, e a intimidade certamente morreu.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.32
Porto Alegre (RS), 15/11/2015 Edição N°18356