SERVIU O CHAPEUZINHO?
Sim, sou incompetente. Sou um fracasso para acolher afeto. Eu me antecipo para não precisar encarar minha timidez de ser amado. Eu prefiro amar do que ser amado. Posso ser perfeito para planejar surpresas e ser romântico e adivinhar desejos de minha mulher. Mas receber carinho me põe em desespero. Terei que agradecer, como? Terei que agradecer e superar o que me foi dado. Entro numa competição diabólica, numa disputa de vaidades. Para não contrair dívidas amorosas, para não ficar atrás. Não há problema em assumir o papel de credor, sofro horrivelmente na figura de devedor.
No fundo, acho que não mereço ser amado. E amo o dobro ou o triplo para provar minha tese. Para que o próximo diga: chega!, e se afaste.
A única festa de aniversário que ganhei em minha infância, nenhum convidado foi. Pedi para a mãe congelar a torta para o próximo ano. Jamais me recuperei do trauma. De ver as cadeiras vazias em torno da mesa repleta de brigadeiros, branquinhos e salgados, preparados ao longo de duas semanas.
Nada como um trauma para reservar uma mesa no inferno. Não me permitia ser feliz em nenhum aniversário. Sempre boicotava, conspirava, maltratava quem tentava me alegrar. Queria passar a vida inteira tirando proveito do remorso, tirando lucro do coitadismo. A cena da infância vazia e abandonada formava uma fortuna imbatível. Não ser amado é um luxo, é uma maneira de dizer que ninguém presta, que ninguém consegue me contentar, que tenho o direito (e o dever) de ser ranzinza e não respeitar a felicidade alheia.
Descobri que era um desamador. Até o sábado de meu aniversário de 41 anos. Quando minha mulher Katy preparou uma festa surpresa sem que imaginasse qualquer detalhe e sinal. Cheguei em casa do trabalho e lá estava mais de 40 pessoas gritando, corneteando, aplaudindo no escuro assim que abri a porta. Fui arremessado numa piscina de bolinhas posta dentro do apartamento. Recebi banho de champanhe, de espuma. Havia painéis e balões temáticos do Wolverine, meu heroi predileto. O bolo não durou nem uma hora. Circulei pela festa como se fosse o enterro da mágoa, a cremação das serpentinas. Estava recebendo amor de todos. Ainda encabulado. Ainda assustado. Ainda desconfiado. Mas recebia. Fui recebendo. Fui aprendendo a receber, desajeitado e finalmente espontâneo. A cada conversa, a cada beijo na boca da esposa, a cada brincadeira.
Vi que o trauma da alegria é maior do que o trauma da tristeza. Muito mais inesquecível. Agora posso emprestar meu nascimento para os outros.
Colunista
Novembro/2013
Ano 13 Nº 703