Blog do Carpinejar

SOU TODO SAUDADE

Arte de Lauren Hamilton

A saudade é uma separação que inventou o casamento.

Não é reencontrando minha mulher que desfaço o mal-estar de ter estado longe. Ainda que seja uma hora, um dia, uma semana.

Sentir saudade agora é sentir as saudades de minha vida com ela.

Saudade é uma experiência que não termina de terminar.

Com a saudade, não sinto falta dela, mas do que sou com ela.

Saudade é vaidade. Lamento a própria ausência, apesar de parecer preocupado com a ausência dela.

Saudade é o luto do meu pensamento, a morte do meu pensamento. É nunca mais pensar como solteiro; é pensar como casado daqui por diante. Jurarei que minha risada é mais extravagante em sua companhia, de que sou mais elegante em seus ombros, de que o mundo gosta de nos ver abraçados.

Saudade é não se bastar mais, é depender de alguém para continuar sendo. Depender de alguém até para deixar de ser.

Com a saudade, finjo que me preocupo com minha amada, mas é apenas um jeito de me preocupar comigo. Ela não está mais perto para me melhorar, me antecipar.

Não é que posso perdê-la, eu é que posso me perder longe do que já fui com ela.

Saudade é uma soma daquilo que não somos quando o outro se afasta e daquilo que somos quando o outro está junto. É a certeza de nossa insuficiência. Representa um desfalque da personalidade. Passo a me dar conta de que somente existo para me exibir à ela. Isolado, tenho a sensação de engano, de boicote, de que não nasci inteiro, de que não morrerei inteiro. Minhas palavras ficam tímidas; meu rosto, desafinado.

Saudade é imaginar por dois não sendo mais nenhum. É agir solitário no plural.

Não é uma generosidade, mas seu contrário: um profundo egoísmo; não queremos que amada se distancie para que ela não descubra nossa desimportância. No fundo, é o medo de que a nossa companhia não sinta saudade. O receio do fim. A primeira histeria. A primeira crise de nervosismo.

Saudade é uma covardia corajosa, uma ansiedade cheia de paciência, uma preocupação despreocupada. É se ofender elogiando outro, é se elogiar ofendendo o outro.

Saudade é uma antecipação do abandono. Uma despedida provisória que dói igual a um desenlace definitivo. É um aceno que não entrega a mão ao ar, um cumprimento que não fecha os dedos.

A saudade é acordar na sexta como se fosse sábado. É vestir nossa roupa predileta para permanecer em casa. É arrumar a cama para dormir no sofá.

A saudade surge antes da saudade. Definimos dentro do fato qual será a lembrança de que sentiremos saudade. Sentimos saudade no meio da experiência.

Saudade é uma alegria entristecendo.

Porque toda alegria só será definitiva depois da saudade. Depois da tristeza.





Publicado no jornal Zero Hora
Segundo Caderno, coluna quinzenal, p. 5, 04/04/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16660

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