SUMITA E APARECIDA
Arte de Eduardo Nasi
Há duas cidades em que não me sinto estranho: Londres e Tóquio.
São os únicos lugares onde minhas roupas não chamam atenção, não despertam curiosidade. Passo incólume pela multidão, sou até recalcado.
Desapareço no anonimato das aves migratórias e não fujo de olhar quem me olha. Minhas calças brilhantes não diferem do sol na grama. Minhas botas de cano alto são gatos dormindo. Meus óculos mosca acompanham os semáforos. Não causo a mínima comoção. Faço parte da natureza urbana. Existem tipos bem mais extravagantes que me normalizam. Gente com chapéu de mágico às duas da tarde; gente com terno e coldre de faroeste; gente que é quiosque de chaveiro tamanha a coleção de piercings na testa.
Se sou perdoado pela aparência nestas capitais do mundo, já meu temperamento é condenado ao vexame. Por dentro, continuo um alienígena.
Fui homenageado pela embaixada de Tóquio. Protagonizei três recitais e um debate sobre a poesia gauchesca e o orientalismo das bravatas de Jayme Caetano Braun.
Nos encontros silenciosos, o público usava os ombros e o peito para cumprimentar. Eu, pelo contrário, acenava, batia nas costas, apertava os dedos com ênfase, gritava, rugia.
Minha educação de gringo soava como assédio.
Quem sofreu com a minha companhia foi o adido Sumita, que não conseguia criar uma rotina para meu comportamento imprevisível. Ele testava reações e fracassava no controle delas. Ele me ensinava hábitos e eu repetia esquecimentos.
Terminei ligado à sua personalidade paciente, que não se intimidava com o desafio. Aguentou as perigosas viagens ao karaokê ou os pedidos para procurar perucas.
No último dia, pretendi retribuir sua escolta religiosa com uma brincadeira.
Toquei o cálice com a colher entre dezenas de convidados do meio intelectual.
— Quero fazer um brinde.
Sumita temeu.
— Gostaria de apresentar a Sumita uma amiga minha do Brasil, Aparecida, acho que deveriam se casar.
E ri muito.
Ninguém entendeu a piada. Mas há piadas que só servem mesmo para gente. Nem precisamos de audiência.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira