SUPERMERCADO E AS MULHERES
Sofro resistência de supermercado. Sou um cardiopata daqueles corredores gigantescos e intermináveis.
Não é que não goste, é que demora, sempre há uma dúvida de preço, de produto, de promoção. Só revisar a validade de cada produto posto no carrinho é uma trabalheira.
Quando minha mulher diz que é rápido, sei que vamos acampar na seção de frutas.
Nem comento sobre o caixa, o fim do rolo, a ausência de um código, a digitação errada de um preço que depende de um supervisor para ser corrigida.
Não é a Lei de Murphy que me apavora, é a constatação de que não desfruto de talento para a coisa.
Conservo o vício de armazém, feito para as urgências. É da infância o registro sonoro: vá ali comprar um pacote de feijão, um azeite, um saco de arroz, um refrigerante. Miudezas que completam a despensa. Naquele instante em que todo atraso estragará o ponto da comida.
Volto em cinco minutinhos. Não é necessário enfrentar congestionamento na garagem, filas, esbarrões, são cem metros livres e desimpedidos.
O super é um outro negócio. Afora o cansaço físico, temos que lidar com a onipotência feminina de querer lembrar tudo de que precisa em casa.
Mulher não faz mercado, é um balanço de firma, uma partilha de bens. Desde o nascimento, está preparada para o Juízo Final. Homem não é maduro para o apocalipse, não saberá escolher uma reles lembrança para justificar a salvação de sua alma.
Para elas, o supermercado é uma arte. São marchands das embalagens. Procuram a perfeição; aliar técnica e intuição. Acho que pretendem superar a mãe introjetada, e não dar a mínima chance para sogra. Não buscam correr. Há uma diferença entre se preparar e apressar. Elas se preparam para o ato. Valorizam o ritual, reparar, comparar, comentar novidades, é regra começar a andança pelo setor predileto para terminar por aquele que menos agrada.
Esquecer um item é um pecado, esquecer dois é um desastre. Demoram a noite inteira reclamando e se mortificando da falha. Têm um aproveitamento de 98%, mas não se aquietam.
O mercado deve ter sido a praça da infância. O parque de diversão. Ficam tão à vontade que consomem aquilo que estão comprando. É uma relação atávica de criança, a fome faz parte da motricidade: andar de balanço e comer pipoca, andar de gangorra e comer algodão doce.
Cínthya escolhe as uvas, pesa e vai degustando uma por uma até o fim enquanto passeia pelos corredores. Depois toma um pacote de salgadinhos e esvazia antes da esteira rolante.
Mulher come no mercado porque está em casa. É o único lugar em que não falta nada.
Crônica publicada no site Vida Breve