Blog do Carpinejar

TAL MÃE, TAL FILHO


Arte de Cínthya Verri


Não é simples conhecer os próprios defeitos. Humildade depende de dupla audácia, primeiro se descobrir, depois se aceitar.

Francisco manteve uma atitude lamentável ao longo da vida (percebeu tarde demais, quando o triste hábito já pertencia ao caráter). Leila foi sua vítima. Maltratou a generosidade da esposa e explorou sua paciência.

Telefonava para a mãe e entregava o fone para a companheira. De supetão.

Leila não pediu para falar com ninguém. Estava feliz com alguma distração: cozinhando, forrando as gavetas, podando as flores.

Francisco entregava sem olhar:

— O que é?
— É minha mãe…

Sua mulher pegava o gancho, deduzindo que a sogra queria conversar com ela, mas não, ele apenas forçou o encontro das vozes. E a sogra jurava que ela tinha alguma intenção, mas não, tampouco houve interesse.

Ele criava um mal-estar diplomático. O telefone negro bicaria a orelha delicada e inocente de Leila horas a fio.

Francisco nem recriminava seu gesto, não se desculpava, considerava normal repassar adiante o problema, afinal o alívio sempre ocupa o lugar da verdade.

Não sabia dizer tchau à mãe, e transferia sua incompetência. Não era capaz de cortá-la, com medo da chantagem materna, do jogo sujo, do revanchismo familiar “eu te criei para agora me abandonar”.

Telefonar para a mãe correspondia a sair outra vez de casa, justificar toda escolha pessoal, profissional, amorosa e se arrepender das decisões da adolescência.

Até porque mãe italiana não cumprimenta, questiona. Não é um “tudo bem?” normalzinho, mas um fatídico “está tudo bem mesmo?”, de quem já recebeu informações privilegiadas.

Até porque mãe italiana faz suspense da fofoca, liga para estranhamente anunciar que não pode contar algo.

Até porque mãe italiana só começa um novo assunto depois de realizar retrospectiva do que foi dito.

Até porque mãe italiana não aceita ser interrompida, e aproveita a culpa para testar o amor do filho. É tentar desligar que choraminga desgraças. Ela é que deve se despedir senão desanda a inventariar maldições.

— Você não me ouve, nunca me escuta até o fim, não respeita os mais velhos, ainda vai me pôr no asilo!

Em desespero, Francisco largava o aparelho de qualquer jeito e desaparecia. O que nunca descobriu é que sua mãe passava o telefone para seu pai terminar a conversa com Leila.









Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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