TE ESPERO!
A vizinha de poltrona não cansava de tirar fotografias da janela. Descíamos em Porto Alegre. Nenhuma foto saía, espiava o recado pelo visor: low battery. Mas ela desligava e acendia a máquina, confiando que de repente encontraria energia para uma última imagem. Repetiu a operação dezenas de vezes. Sua persistência incomodava. Queria explicar: Vê essa mensagem? Sossega! A esperança do outro é burrice para a gente.
Admiti, aos poucos, que ela tinha o direito de acreditar, que a esperança não usa bateria, toda esperança é burra. E não renuncio minhas tolices pela inteligência dos céticos. Mantenho as crenças até o fim. Uma delas é ser amado como jamais me amei. Faço de tudo para o relacionamento dar certo, desligo e ligo se preciso.
Sinto-me inteiramente enamorado regressando de viagem. Não resisto aos abraços de aeroporto e rodoviária – são os melhores.
Eu me enxergo importante quando a namorada e os filhos me aguardam no saguão com aquela mirada lânguida, mesclada de sono e carência. Não me dirijo para a porta de saída, logo derrubo as malas para subir nos ombros deles no meio do caminho. Desengonçado de carinho; beijo a nuca dela e levo o brinco junto, cheiro o pescoço das crianças e arranho o rosto. Eles me perdoam porque estou chegando.
Ao retornar de uma viagem, banco o exilado político, parece que são décadas que estou longe de minha terra natal, mesmo que tenha saído ontem.
Viajar somente vale se haverá alguém nos esperando. Quando desembarco, me emociono com o que vejo ao redor, familiares se envolvendo em choros involuntários e risadas estrépitas. É como arquibancada de estádio, vontade de se meter na comemoração dos demais e ajudar a gritar. Quem volta tem uma irmandade selvagem, não será nunca um estranho, torce para um único time: a saudade.
Ainda fico mais tocado se na caminhada ao estacionamento recebo perguntas simples e reconfortantes como “O voo atrasou?”, “Está cansado?”. Seguem também cuidados de acolhimento, que nos acostumam a viver de novo, como “Deixei o carro perto”, “Guardei comida, acho que está com fome”.
Nem sempre foi assim. Na saída da escola, me assustava ao observar a mãe no portão. Não era vergonha, ela vinha em último caso, quando havia notícia ruim. O sangue gelava: ou um parente morreu ou os pais brigaram ou tinha que ir ao médico cumprir um exame. Preferia regressar sozinho, chutando pinhas nas bocas de lobo.
Hoje sei que minha solidão pessimista se transformou em esperança.
Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 07/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16481