TELECOLO
Os casais não têm tempo para cuidar do outro.
Marido e esposa chegam arrasados em casa, destruídos pelas preocupações do dia e antecipando as expectativas da semana.
São como lutadores de boxe, suados e inchados, pedindo um abraço, uma trégua, antes de desferir os próximos socos.
Entram em seu lar e, mesmo bem intencionados, fracassam em consolar sua companhia. Não encontram ânimo para manter uma conversa inspiradora e incentivar o casamento.
Deitam no sofá, encalhados. Ambos querem chamego, precisam de cuidados e não se oferecem por absoluta falta de energia.
É deitar que desmaiam.
O que abre a possibilidade de um novo negócio no mercado: o tele-colo.
Pessoas capazes de oferecer um colo amigo.
Nada a ver com sexo, com prostituição, com taras eróticas.
Nada a ver também com terapia e confissão.
Uma profissional da ternura.
Nas horas de estresse absoluto e desesperança, chamaríamos o tele-colo.
Procuraríamos o telefone no ímã da geladeira.
Apareceria em sua residência uma tia, com idade superior a 65 anos e cheiro de vó, vestindo pijama e calçando pantufas.
Sim, pijama e pantufas, para desfazer qualquer apelo erótico.
Seu serviço poderia durar apenas trinta minutos, o suficiente para espantar a enxaqueca dos ossos.
Consistiria em carinho nos cabelos, cafuné, e um silêncio entremeado de palavras de apoio e frases afirmativas.
Nenhuma discussão, nenhuma pergunta, nenhum questionamento.
Nenhuma desconfiança, nenhum julgamento.
Conheceríamos a paz absoluta da cumplicidade.
Sua primeira providência seria preparar um chá e alcançar um analgésico, naquela atitude preocupada, de pé, esperando os movimentos da nossa boca.
Deitaríamos nos ombros dela com a confiança de travesseiros ortopédicos.
Resmungaríamos que está difícil, complicado, que não enxergamos saída e sentido para tanta entrega.
Ela responderia com ênfase: "Vai passar", "É só cansaço", "Está fazendo seu melhor".
A voz deve ser mansa, legível, reconfortante, de rádio AM.
Fecharíamos os olhos docemente, para ensaiar o sonho em rápido cochilo.
Ela nos colocaria na cama, puxaria nossas cobertas até o início do queixo. Programaria a televisão para desligar em quinze minutos e armaria o alarme do celular.
Dependendo do desespero, cantaria uma música de ninar. Mas só em último caso.
Sairia de cena sem deixar vestígios.
Amanheceríamos com a sensação de banho tomado. Banho de alma.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 4/5/2014 Edição N° 17737