Blog do Carpinejar

TEORIA DAS CORES

Arte de Cínthya Verri

Todo homem casado é daltônico.

Ele se torna uma vítima da dependência amorosa. A esposa confunde a cabeça do sujeito a ponto dele não diferenciar mais o que é o vermelho do verde, o que é o castanho do cinza. Pensa algo e ela avisa que a cor é outra. Nunca coincide pensamento com realidade. É uma conversa de enlouquecer Romero Britto.

No matrimônio, o mundo se embaralha como pontas dos lápis no fundo do estojo de madeira. Não tente apagar que aumentará a mistura.

A dúvida desemboca em desconfiança e termina em desvalia. O marido questiona onde está seu casaco marrom. A mulher lamenta que não sabe, ajuda a procurar, ambos esquadrinham a casa inteira e nenhum sinal do agasalho.

No último sopro da expedição, o homem localiza a peça no próprio cabide. Tranquila. Como se ela nunca tivesse saído dali. Afinal, sempre perdemos aquilo que não muda de lugar.

— Aqui, amor, achei!
— Mas esse casaco não é marrom?
— É o quê?
— É amarelo!
— Amarelo?

Ela fala com tanta determinação que você fica encolhido e se isola na insignificância monocromática. Desiste de rebater e de explicar, inclusive atinge o extremo de pedir desculpa. Não compreende como passou a vida desconhecendo as matizes certas. Como que atravessou o Ensino Fundamental sem rodar? Como que pintou a cara do Bozo nas cópias xerox das áreas de recreação? Será que os professores e familiares tiveram compaixão?

A partir desse momento fatídico do casamento, nada mais confere. É uma humilhação constante que mina as estruturas mentais e culturais.

Pergunta para a esposa onde está a calça preta, ela confessa que é azul. Pergunta para a esposa se viu o blusão laranja, ela diz que é vermelho. Pergunta onde foi pendurada a cueca, ela lembra que é lilás.

Diante do analfabetismo súbito, decide decorar as falhas e convertê-las num padrão, num segundo idioma, num código bíblico.

Marrom = amarelo
Preto = azul
Laranja = vermelho
Verde = lilás


Agora demora a responder as questões mais elementares. Desenvolve um raciocínio mais lento e longo. Observa qualquer aparência com curiosidade mórbida, precisando consultar a cartela de cores e indicar seu equivalente. Tal casa de câmbio, troca o que achava antes por aquilo que sua companhia estipulou como verdadeira.

Quando memoriza a nova ordem, sua mulher muda de lado e argumenta que o amarelo é amarelo e o preto é preto e o laranja é laranja.

Mas já era tarde demais para reaprender a teoria das cores.

Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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