TODO CABELEIREIRO É TERRÍVEL
Arte de Jasper Johns
Nunca converse com o cabeleireiro. Fale por mímica. Não responda a nenhuma pergunta pessoal. Ao cair em tentação, perderá o controle de sua vida.
Resista ao charme andrógino. Evite encará-lo. Como a Medusa, somente olhe pelo espelho. Essencial entregar o pedido por escrito e se calar durante a próxima meia hora.
O movimento inicial dele é de ópera. Levantará suas mechas para cima, num sorteio de cartas, para lamentar o azar:
– Não sei o que você fez até hoje, seu cabelo está desidratado, sem forma, sem brilho...
Mantenha-se quieta, impassível, perante as reticências. Com uma simples concordância, ele ganhará confiança e escreverá sua biografia. Com um mero aceno de queixo, ele ditará o destino do seu cartão de crédito.
– Não dá mais, amiga, para se judiar tanto. Melhor se matar logo, não morrer lentamente para o mundo inteiro ver sua decadência. Tem que iluminar o rosto, abrir o tom, repicar as pontas. Assim é juízo final, início de novela, quinto dos infernos. O que houve, amor, anda infeliz? Falta de sexo?
Primeiro, ele responde por você, em seguida pergunta como se não soubesse da resposta.
Ficará impressionada com a sensibilidade da figura. O cabeleireiro é um cartomante dos cachos – ele nos convence com nossas próprias confissões.
Aceitará fazer luzes, corte, banho de creme, pintura, tudo o que for proposto como saída da crise. Estará chorando debaixo do secador (que é mais confortável do que no chuveiro), descrevendo horrores de seu marido, que não é valorizada e se arrependeu de casar.
O cabeleireiro é letal, uma manicure pessimista. Não deixa pedra sob pedra, fio sob fio, palavra sob palavra. Muito diferente do barbeiro, que se mantinha respeitoso e distante.
O barbeiro foi a última fronteira heterossexual do século 20. Dava uma dignidade para a luta do macho, a lâmina subjugava a tesoura. Havia a certeza de que, mesmo a vida não sendo fácil, valia o esforço, era importante seguir firme sustentando a família.
O barbeiro alcançava o status de confessionário perfeito, guardava os nomes dos clientes e esquecia os pecados. O cabeleireiro é o contrário: um DJ, alarmista e incendiário, espalha os segredos pela pista, mistura verdades, arranha discos, não poupa ninguém. Seu olhar é julgamento, sempre há algo de errado que devemos corrigir ou que não cuidamos ou que não prestamos atenção. Ele anda com seu coldre para mudar as cabeças das pessoas.
O que me põe a pensar que a mulher não corta o cabelo quando se separa. Mas ela se separa depois de cortar o cabelo.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 06/09/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16817