Blog do Carpinejar

TORNOZELEIRA ELETRÔNICA

Sempre tem o que dorme mais no casal. O que corre o risco de bater o cartão tarde no trabalho, o que tem Lexotan diluído no sangue, o que compra briga por qualquer luz acesa pelas frestas da porta, o que coloca o alarme várias vezes e teima em mais cinco minutos impossíveis de sono.

Do par, haverá o que é janela e o que é o blecaute. Os opostos se completam e se torturam.

Só que aquele que prefere descansar o máximo possível nunca tem a consciência tranquila, nunca realiza o seu método meditativo de forma independente, nunca quer ficar sozinho, e começa uma série de chantagens para prender quem desperta cedo. Não deixa o outro em paz.

Quando o hiperativo ameaça sair da cama, dá uma chave de pernas ou propõe um esmagamento de beijos que não há como se mexer nem respirar.

Sou o colono da relação, o gringo, o que levanta antes do sol raiar, mas não tem sido fácil a minha manhã. A esposa sente que estou saindo pelas pernas, não pelo movimento das mãos. Não há como enganá-la. Os pés dados no fundo do lençol não me permitem margem de manobra. Vivo com um tornozeleira eletrônica do amor.

É me mexer para retirar as cobertas de cima de mim, que a esposa pressente a minha evasão e me prende sussurrando:

- Só mais um pouquinho.

Ela quer manter o meu cheiro por perto, a sua nebulização na nuca, o seu aconchego aquecido.

Não consigo nem sonhar de nervoso. Finjo que apago, fecho os olhos e espero que ela se aquiete para ensaiar novamente a despedida, porém ela não me permite pular fora sem resistência, sem apelação emocional. Redijo uma liminar em pensamento. Perderei igual nos argumentos, pois ela que é advogada.

Não posso ser grosseiro, já que ela diz palavras doces; não posso ofender, já que é o primeiro ato da manhã; não posso ser ríspido e mergulhar na culpa; não posso usar da força e gerar uma dependência maior do arrependimento, estou imobilizado intelectualmente.

Todo dia é uma luta inglória. Eu me atraso não por mim, e sim pela minha mulher. Como explicar para o meu chefe de que sou fraco?

Crônica publicada em 16/4/2018

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