Blog do Carpinejar

UM DIA!


Arte de Eduardo Nasi

Um dia você vai agradecer as separações. Agradecer um por um dos rompimentos, uma por uma das fossas, uma por uma das portas fechadas em sua cara, uma por uma das infiltrações pelo pulmão.

Um dia você vai se desculpar por sofrer, você se livrará dos ressentimentos e das vinganças.

Um dia você se verá feliz por ter estado triste.

Um dia entenderá que o destino realmente faz sentido, e que a falta de sentido ainda era caminho.

Um dia você perceberá a clara diferença entre orgulho e confiança, entre obsessão e paixão, entre fantasia e sonho.

Quando você finalmente encontrar a mulher de que precisava não conservará ódio por nenhuma ex. Mesmo a mais ingrata, a mais perversa, a mais intrusiva.

Quando você descobrir que não precisou inventar a mulher que você ama, que ela existe com toda telepatia e compreensão que jurava jamais testemunhar, você olhará o passado com empatia e sincero perdão.

Será generosamente imprevisível. Não mascará fofocas, apagará os desaforos, conhecerá a gentileza de dia e o cuidado de noite. Derramará em seu sangue uma overdose de ternura. Seus olhos estarão empilhados de estrelas. Os engradados das árvores estarão sendo abertos pelo jorro da luz.

O amor é libertador, o amor é a redenção fiscal, o amor de verdade expira as sentenças.

A vontade é preparar uma farta cesta de frutas e produtos especiais para as ex-mulheres. Gastar o salário do mês combinando iguarias de fino trato.

É meu modo de mostrar que estou imensamente feliz por falhar antes e me permitir viver o essencial agora.

O ímpeto é organizar um berço de fragrâncias e champanhes, conciliar vinhos da Nova Zelândia com patês franceses. Reunir bandeiras e promessas do oceano. Montar uma manjedoura com palha ao fundo daquilo que há de melhor e mais caro na estante de importados.

Uma barca com especiarias da Índia, pepinos do México, azeitonas da Itália, ovos de codorna do Peru e doce de leite da Argentina.

Uma caixinha sortida e colorida com direito a Panetone, passas e castanhas de caju.

Uma cesta graúda com celofane amarelo que alegrava os Natais da minha infância.

E escrever apenas “Obrigado”.

Sem maiores informações.

O milagre é cristalino. Não é possível guardar rancor.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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