Blog do Carpinejar

VAMOS DORMIR?

Arte de Eduardo Nasi

Quem é casado sofre com o duplo sentido de suas frases porque o outro lado entende o sentido errado. Conversa sozinho jurando que está sendo compreendido. Não tem coragem de expressar o que deseja diretamente, e lança metáforas e figuras para alcançar o que quer. Nem sempre tem resultados favoráveis.

Tanto a mulher como o homem.

A mulher não dirá: vamos transar? Não é mesmo coisa que se diga. Chegará de mansinho, implícita e sedutora, com uma pressa estranha para dormir cedo.

São 22h, e ela começa a suspirar e bocejar no sofá, como se estivesse em um fuso diferente. Ela vive em Tocantins e ele em Porto Alegre, apesar de dividir a mesma casa naquele instante.

No primeiro intervalo comercial, encara seu companheiro e interpela:

— Vamos dormir?

Ele está no começo de um filme e não capta a mensagem oculta: sua fêmea deseja sexo, transpira sexo, cheira a sexo.

Sem mexer o pescoço, o sujeito responde para que vá na frente.

Ela insiste:

— Vem assistir na cama coisa melhor.

Ele nem tira os olhos da tela:

— Depois eu vou. Ainda não estou com sono.

Nem ela tem sono. Ela procura tudo, menos dormir. Dormir é apenas uma maneira educada de convidá-lo para ficarem a sós.

Nada mais melancólico do que se mostrar interessado e sua companhia se revelar desentendida.

Ela atingirá o extremo da humilhação ao passar pela sala, nua, e ele não assimilar o espírito depravado do desfile e confundir com uma expedição por roupas na área de serviço:

— Já tirei sua calcinha do varal e coloquei na gaveta.

É desesperador ver que não absorve a carência e a tensão da cena.

Só que ela não cansa com receio de perder sua vontade. Surge na porta, a cada quinze minutos, suplicando a vinda imediata.

E ele, como uma criança ingênua, não põe sua cabeça a trabalhar. Suas duas cabeças. Já reclama com a teimosia.

— Que pressa é esta? Estou sem vontade de deitar agora, me deixa relaxar!

Os homens também podem ser vítimas da charada.

Quando o marido assume uma condição excessivamente romântica é que ele anseia pela transa. Do nada, inventa beijinhos no pescoço, lambidas, carinhos nas costas, pergunta qual a cor da lingerie. Não sai de perto e tenta encaminhar  o enlace.

A saída habitual feminina é perguntar sobre os projetos do emprego, se tem algo para adiantar. Disfarça a ausência de interesse com uma súbita preocupação profissional. Logo ela que odeia que leve serviço para a casa.

Não é que desceu o espírito de Madre Teresa de Calcutá em seu corpo. É comum no relacionamento ser egoísta procurando parecer generoso. Jamais alguém é sovina expondo as reais intenções:

— Não tem que fazer aquele trabalho hoje?

Ele responde que não. Daí ela parte para a segunda investida. O banho longo e o documentário chato.

— Só preciso tirar a energia ruim do estresse, e tomar uma ducha rápida. Serei nova daqui a pouco.

Põe o homem na cama, cria expectativa (afinal, não deseja entregar que não está com vontade nenhuma), liga a tevê num especial sobre cozinha tailandesa e segue para o chuveiro.

O banho demora cinquenta minutos. Mais do que uma tele-entrega.

Quando ela sair envolvida na toalha, seu marido estará roncando. Não há criatura que se mantenha excitada com uma narração em off e a espera interminável do banheiro.

O amor é um pesadelo de indiretas.


 



Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
10/12/2014


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