VAMOS RIR DISSO TUDO
Texto Fabrício Carpinejar
Foto: Gilberto Perin
Não há frase tranquilizante depois de uma separação. Os amigos tentando ajudar costumam infeccionar as feridas. Desejam livrar você do sofrimento o quanto antes e não respeitam o luto demorado e gradual.
Procuram despertar a sua vontade para sair e conhecer novas pessoas enquanto o que anseia é desaparecer e se esconder dentro do passado.
Não costuma funcionar dizer para o dolorido da perda recente que "vai passar!". É subestimar a importância do pertencimento e da entrega. "Vai passar" é desprestigiar as pontadas da saudade. O enlutado quer lutar contra o esquecimento e você insiste em apressá-lo a mudar de assunto.
Da mesma forma, é nada aconselhável decretar que ele ou ela "encontrará alguém melhor". Ninguém acredita na esperança quando acabou de assassinar a fé.
O separado não aceitará a profecia, entenderá como maldição, já que experimenta um asco de amar, um nojo de amar. Sua reação será de absoluto descrédito, com a intenção irritada de jamais namorar de novo.
Tampouco deboche advertindo que "escapou de uma fria". O descorneado não tem como julgar coisa alguma, voltaria na primeira oportunidade. Está se vendo como um enterrado vivo na lápide de um romance - fria é a sua pedra de solidão, fria é a sua cruz bordada com os nós da garganta.
A melhor consolação é "ainda vamos rir disso tudo". No plural, avisando que permanecerá junto no futuro, que não abandonará a amizade à míngua dos acontecimentos.
É projetar a alegria no tempo de trevas, é antecipar a cumplicidade que surgirá com o amansamento das mágoas. O riso dói, o riso é cedo, mas prepara a serenidade do rosto.
Graças aos amigos, a tragédia amorosa pode vir a ser a nossa grande piada.
Publicado no Jornal O Globo (Blog)
Coluna Semanal - 24.06.2016