VIAGENS (ELEITORAIS) DE GULLIVER
André da Rocha tem a menor população do Estado. Cabe inteira no teatro do Bourbon Shopping Country. São mil e 200 moradores do povoado serrano, que fica a 195 quilômetros da Capital.
– Dirigimos sempre com a primeira marcha, não dá tempo de trocar para segunda – graceja Édson José Vieira.
Para ser eleito na cidade, um vereador precisa de 80 votos; o campeão das urnas não ultrapassa 130. O ímpeto é concluir que se trata de uma barbada, melhor do que concorrer a síndico em Porto Alegre.
Errado. Reduzir o eleitorado é piorar a guerra.
André da Rocha apresenta a eleição mais disputada e espinhosa do Rio Grande do Sul. Dezessete nomes brigam pelas nove vagas da Câmara. Se alguém arrebata a promessa de um vizinho, é obrigado a voltar na manhã seguinte para conseguir de novo, já que outro interessado passou lá, e assim sucessivamente, numa trova de meses.
Ganha-se o apoio no grito, perde-se no sussurro. Na véspera eleitoral, os cabos eleitorais não dormem, na derradeira tentativa de virar uma opinião. Os concorrentes se transformam em leões de chácara de seus amigos, com direito a vigília e campana.
– Vi vereador sair da lista do TRE por um voto – avalia Édson, 49 anos, chefe de gabinete da prefeitura.
Ele viveu na pele a igualdade enervante de forças. Seu pai, José Carlos Vieira, hoje falecido, concorreu na primeira eleição do município, em 1988, e empatou com Miguel Angelo Tagliari, pelo emocionante placar de 442 votos a 442 votos. O critério de desempate terminou sendo a idade. Tagliari tornou-se chefe do Executivo em função dos 70 anos (contra 58 do adversário).
Os políticos sofrem porque todo mundo se conhece. Levino de Souza Dal Olmo, 60 anos, vereador por duas gestões, amargou a suplência do PP no pleito de 2008 por apenas quatro votos. Ele alcançou 73, o último colega a entrar teve 77. Menos de uma mão o separou do salário de R$ 1 mil e das acaloradas sessões quinzenais às quartas-feiras.
– É complicado, nosso lugar é pequeno, o eleitor se envergonha diante da pressão, não quer desagradar, promete a muitos e não se compromete com ninguém. Cria a dúvida até o momento de apertar a tecla verde – explica Levino, pai de três filhos (Maira, Lairton e Marisa) e casado com Naide há quatro décadas.
– Avaliando em números, minha votação não é nada. Avaliando meu campo de ação, é uma odisseia – completa.
Uma pesquisa eleitoral seria impossível em André da Rocha, exigiria atualização de hora em hora. Silvana Della Flora, 30 anos, debita a rivalidade pela convivência muito próxima:
– Quem tem três grandes amigos, corre o risco de sacrificar dois numa eleição.
Família grande pode garantir a felicidade do mandato ou quatro anos de ressentimento.
– Dez parentes não votaram em mim, entre irmãos e sobrinhos. Sei certinho quem me abandonou – contabiliza Oliveiro Orsi Furtado, 64 anos.
O aposentado da CEEE quase entrou, faltaram 21 votos.
– Escaparam adesões de repente. Eu me distraí sonhando com a vitória – confessa.
O dono de empresa de transporte escolar, Edgar José Jacques Vieira, também não conquistou a vereança por um triz, foram 15 votos a menos que o eleito Rosalino Cassol, do PMDB.
– A dificuldade de André da Rocha são também os eleitores de fora. Eles surgem no dia da decisão e mudam o nosso destino – justifica.
Curiosamente, o município registra 1.441 votantes, quase 250 eleitores a mais do que o número de habitantes; marca que anularia a vantagem do atual prefeito Braz Hoffmann sobre o oponente derrotado Heroni Jacques.
Não é incrível?
Em André da Rocha, fofoca não é telefone sem fio, mas urna sem fio.
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 40, 26/03/2011
Porto Alegre, Edição N° 16651
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