Blog do Carpinejar

VOCÊ ME AMA?

Arte de Max Ernest
Para Chiara Civello

Minha mãe teve um pesadelo. Prestava concurso para Defensoria Pública. Sala lotada de candidatos, nervosismo, lápis penteado.
 
Ao receber a prova do instrutor, qual sua surpresa ao perceber que a folha contava apenas com as respostas.
 
– Cadê as perguntas? – ela se desesperou.
 
O monitor lamentou, mas não tinha como mudar a natureza do teste.
 
– Só vim aplicar a prova, desculpa.
 
O perturbador sonho materno é de uma simbologia poderosa. Passamos mais tempo de nossa rotina respondendo respostas do que atendendo perguntas. Perguntamos com uma resposta e continuamos respondendo. Não pretendemos mudar nossas opiniões. Não pretendemos nos despedir de nossos condicionamentos. Não pretendemos remodelar os planos. Somos um bando de certezas recolhendo exclamações.
 
O mais complicado é aguardar justamente a pergunta, não sair falando de qualquer jeito para qualquer alvo. Mas aguentar o intervalo do dilema, resistir ao silêncio aflitivo da espera, tolerar pensar com os ouvidos.
 
Pois quem responde perguntas, conversa. Quem responde respostas, discursa.
 
É uma arte aprender a fazer perguntas necessárias. E ser condizente ao tamanho das questões.
 
Não ser preguiçoso. Ou excessivo.
 
Tem gente que recebe uma interrogação pequena e já cria uma tese.
 
Tem gente que recebe uma interrogação grande e usa evasiva.
 
Respeitar a proporção da pergunta é amar a curiosidade. É não ser afetado ou pretensioso. É não se vangloriar ou desmerecer a dúvida.
 
Ir aos poucos ajuizando. Não responder tudo para não ter que responder depois, nem nada para cessar a aproximação. Seguir com a inocência atrevida de uma criança, que provoca o sentido das coisas até despertar a vontade das coisas.
 
Se sua mulher questiona:
 
– Você está feliz?
 
É uma pergunta pequena, que pede que você revise seu dia.
 
A resposta é:
 
– Sim, estou feliz.
 
– Não, não estou feliz.
 
Ambas pedem um motivo. E uma nova pergunta pequena com olhos nos olhos.
 
Mas se sua mulher indaga:
 
– Você me ama?
 
É uma pergunta grande, que reivindica que você revise toda a história com ela.
 
É uma pergunta para lembrar muito.
 
É uma pergunta para explicar com cenas, passagens, lugares.
 
É uma pergunta que não tem sucessora. É uma pergunta carregada de saudade.
 
É uma pergunta única, decisiva, maiúscula, com oceano para atravessar de mãos dadas.
 
Não é uma pergunta, é uma declaração.
 
Não seja breve. Valorize a cadência das frases. Ela é mais rara de acontecer do que imagina. Nem todos têm a chance de respondê-la.
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 02/10/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17210

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