Blog do Carpinejar

WOODSTOCK DE CARROS

Caixas enormes que reproduzem um som ensurdecedor dão o ritmo da juventude da cidade de Giruá.Fotos de Emílio Pedroso

Eles não usam malas, não se interessam por ocupar bagageiros com mudas de roupas. O que vale é reservar o espaço interno do automóvel para colocar som mecânico; apenas isso. E um som todo-poderoso para acordar mortos, desembrulhar múmias, invencível como as trombetas de Jericó.

É um clássico da juventude do Interior se reunir na praça com o porta-malas aberto, caixas imensas e ensurdecer os vizinhos com os hits do momento.

Em Giruá, cidade de 17 mil habitantes, a 465 quilômetros de Porto Alegre, a turma de adolescentes foi barrada por lei municipal e ficou proibida de circular com música superior a 80 decibéis. Perdera sentido o ponto de encontro para namoros e exibicionismos eletrônicos no canteiro central Aládio Ferreira.

Sensibilizado com a choradeira dos amigos, o tabelião Rogério Corrêa Trage, 32 anos, não abandonou a irreverência e criou na cidade o Woodstock do som automotivo. Abriu seu sítio no Campo dos Carvalhos a noitadas intermináveis, onde recebe 5 mil pessoas e 350 carros altamente aparelhados. Motoristas disputam troféus em 20 categorias, para descobrir quem tem o melhor conjunto tonitruante.

– Botamos para derreter – avalia o comerciante Sydnei José da Silva, 20 anos, vencedor de 23 títulos em disputas na região.

– É um racha musical. O critério é manter a qualidade com a melodia cada vez mais alta. O candidato que distorce é desclassificado e dá adeus ao pódio – explica Trage.

– Para os mais velhos é poluição sonora, para nós é arte – diz o também multicampeão, Jilsemar Vargas, 21 anos, que acumula 23 canecos.

O encontro mensal, que já está na 4ª edição, converteu uma paisagem rural, bucólica e arcadista, permeada de vacas, ovelhas e cavalos, em autódromo de faróis e luzes piscantes, com torcida organizada nas boleias e nas cabines de picapes.


Um dos veículos mais famosos é a Ranger Tenebrosa, que atinge 180 decibéis, mais do que o dobro do permitido em vias públicas. Pirâmides de alto-falantes são distribuídas na traseira formando um paredão de três metros de altura e dois metros de largura.

– Diante dela, o osso treme e a pele vibra, somos faraós da música eletrônica – brinca o dono Marco Antonio Garcez, 40 anos.

A gurizada valoriza o passatempo como uma carreira. Há competidores que gastam R$ 200 mil para comprar acessórios pelo simples prazer de assistir aos rivais comendo poeira.

– O básico do básico custa R$ 5 mil. Não é pouco investimento – explica Trage, que empenhou R$ 18 mil em uma camionete.

Jilsemar pediu dinheiro emprestado ao irmão. Rafael dos Santos, por sua vez, rogou mesada aos pais. O segredo está em abrir uma linha de crédito familiar para fazer bonito com as mulheres.

– A disputa é uma afirmação da masculinidade, uma forma de delimitar território e chamar a menina para dançar. Manda na festa aquele que toca alto e escolhe música boa – conceitua Francieli Lemos, 24 anos.

– No fundo, não deixa de ser um concurso do tamanho de instrumento entre os homens – completa Jilsemar.

Se perigar, até bicicleta em Giruá circula com amplificadores. Silêncio mesmo somente no cemitério, e olhe lá.




Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 05/11/2011
Porto Alegre, Edição N° 16877
Conheça a fazenda do barulho, em Giruá

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