Blog do Carpinejar

A EXCEÇÃO DO OLIMPO


Arte de Tereza Yamashita


Não há corpo fechado. Qualquer macho será bagaceiro por um motivo, ao palitar os dentes, ao arrotar alto ou ao cuspir na rua.

Meu desleixo monstruoso é manter uma carteira cheia no bolso de trás. Lembro uma saúva. Como se houvesse um rolo de meia amontoando o jeans.

Hábito que partiu da infância, onde colecionava os cartões de crédito vencidos da mãe e brincava de falência com os irmãos. Guardo a mínima coisa que recebo: tíquetes, carnês, recibos, guardanapos de amores platônicos.

Careço de conhecimentos praianos para desaparecer com o dinheiro nas pernas e mergulhar no mar. Se morasse no litoral, não estaria escrevendo. No Rio de Janeiro, vejo banhistas sempre pagando os biscoitos Globo sem retirar a bufunfa de nenhum acessório. Ou lá é a cidade do fiado ou a sunga é uma niqueleira.

De todos os modos de proteger os documentos, o que me incomoda é a capanga. Aquela carteira larga com uma cordinha de rádio de pilha. É meu pai andando na Riachuelo nos anos 70. Combina com calças boca de sino, correntes no pescoço e cabelo de cesta de basquete.

Repare na coragem do seu dono; é uma bolsa atrofiada, uma bolsa escrotal doente.

Quem carrega a capanga não tem grana, muito menos graça. Nem tente assaltar. É tamanha cafonice que destrói a reputação do bandido. Ele pode ser ladrão, mas é sério, tem família a zelar.

A capanga parece uma cápsula ejetada da nave-mãe. A cordinha é o ó do borogodó. Eu enforco a fé na humanidade em seu terço desdentado. Melhor enlaçar o pulso com as fitas do Bonfim, que são coloridas e puxam o trio elétrico dos anéis.

Ainda mais danosa do que ela, somente a pochete. Não existe justificativa nem num pampa safári. É filha de uma relação proibida do alforje e da trouxa no Nordeste.

Forma a dupla de coleiras masculinas com a capanga, sua irmã caçula. Atesta que o homem é masoquista e desfruta do prazer de ser chefiado. Com certeza, ele lava a louça em casa todo o dia e leva o lixo antes das 19 horas.

A pochete evoca um boi sendo puxado, é uma sela que vem com rédea. Aniquila com a virilidade braçal, mesmo que destinada a servir as crianças no passeio ao parque. É um autorama na cintura. Serve como almofada para a barriga. Imperdoável quando usada como cinto.

O desastre aumenta porque a ala masculina julga exibir sua praticidade. Alega que é possível carregar tudo. Tudo, menos a elegância. Oferece a visão de um boxeador fracassado, com seu cinturão de nylon.

Pois o que me transtornou numa manhã de março foi encontrar o professor Cláudio Moreno em minha rua. Eram oito horas da manhã, a luz não havia aberto seus camelôs, Paulo Coelho dormia nos Montes Pirineus.

Moreno é um sinônimo de altivez vocabular e de português escorreito. Não vai errar a concordância sequer num palavrão. Duvido que fale um, por sinal. Ele descia a ladeira com a mulher Ana e seu cachorro branco. Até suas sobrancelhas estavam penteadas.

Maldito momento em que ele surgiu de foto inteira. Eu vi, eu vi uma pochete preta, exuberante, em sua cintura.

— Pô, professor, de pochete?

— Qual é o trauma?

— Você fica a mais inofensiva das criaturas. Não conheço deus grego que andasse de pochete.

— Está me estranhando?

— Só falta dizer que Afrodite e a Ana adoram.

Não respondeu, abriu fragorosamente o zíper e tirou uma faca imensa. Transformou-se em Ares, deus da guerra, ou Hades, deus da morte. Não me lembrava com exatidão de suas aulas.

— Nossa, professor, obrigado, tem colaborado para a segurança do bairro.

A conversa terminou naquele impasse, caminhei lentamente para casa. Muito cedo para correr no fio da navalha.

Proíbo, portanto, a pochete para todos, menos para Cláudio Moreno.




Crônica publicada no site Vida Breve

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