A NAMORADA DE MEU AMIGO
Foto: Gilberto Perin
Meu amigo está namorando. Fui conhecer a sua namorada. Não compreendi se era uma visita ou uma vistoria.
Ela é organizada, mantém uma estante impecável de DVDs, CDs e livros, já meu amigo é bagunceiro, todos os seus discos estão com a capinha quebrada e soltos pelo carro.
Ela cuida de gatos e cachorros, já meu amigo nunca conheceu nenhum animal de estimação.
Ela combina as cores de suas roupas, já o meu amigo somente usa preto.
Ela é educada e gentil, já meu amigo fala um palavrão a cada frase para manter a conversa mais franca.
Ela é da geração do YouTube, já meu amigo é do cinema de bairro.
Ela acorda cedo e dorme cedo, já meu amigo dorme tarde e acorda ao meio-dia.
Ela é curiosa com eventos e baladas, já o meu amigo odeia filas.
Ela trabalha até determinada hora e depois relaxa, já o meu amigo não tem hora para trabalhar.
Ela recusa remédios, já o meu amigo é viciado em estreias farmacológicas.
Ela toma chá, já o meu amigo bebe café.
Ambos são extremamente diferentes, opostos. Qualquer um diria de fora que não guardam nenhuma conexão, que a relação é uma pura casualidade.
Mas as distinções formam justamente o imã dos abraços e dos beijos. Pois eles contam com o dobro da atenção para amar.
Não brigarão à toa. Não vão esnobar um ao outro. Não vão se distrair na idealização.
No caso deles, o amor não é fácil é dado de graça - resgatam os laços ao longe do temperamento todos os dias. A ternura será uma construção. O respeito será uma conquista.
Possuem mais chances de dar certo do que um casal repleto de afinidades. Quanto maior o esforço para amar maior a intimidade, maior a memória, maior a recompensa.
A dificuldade estimula as brincadeiras. O confronto abre caixinhas escondidas dos recalques.
Ela e ela se dedicarão a explicar o funcionamento de seus desejos, mostrarão as suas opiniões com frequência, farão tutoriais do coração.
Aprenderão que um não é mais certo que o outro, que o estranho é também sedutor.
Assim os dois crescerão longe do espelho e da preguiça, não cometendo o engano de repetir e redundar o estilo de vida de solteiro.
Casamento é combinação, não sobreposição. Podem me chamar como padrinho.
Publicado em O Globo em 19/05/17