Blog do Carpinejar

A PRINCESA E O SAPO

Arte de Osvalter

Sou fascinado por experimentar roupas. Ainda procuro alguma peça que seja alquímica, ainda suspiro por um tecido que me beije e me transforme de sapo em príncipe.

Entendo as mulheres que caçam o jeans perfeito ou a blusa de sua vida. Sou igual: aceito meu corpo devagar. Não tenho interesse em mudar minha nudez, mas me acomodar dentro dela.

Se houvesse alguma maratona dentro das ruas de um shopping, seria o favorito disparado. Demoro muito. Não tomo banho de loja, é caldinho. Saco em todo momento expressões para acalmar minha namorada ou filhos: “Deixa espiar” ou “Só um minuto”. Vitrines não são de vidro, são de vento. Entro em cada uma delas com um sopro.

Arrasto qualquer um que me acompanhe para cumprir meus objetivos. A dificuldade é que não saio de casa com objetivos definidos (uma calça ou um terno), desvendarei na hora as promoções e criarei necessidades súbitas. Mentirei que achei uma oferta imperdível, que nunca aconteceu um preço igual, que não existe como abrir o guarda-roupa se não levar aquela camisa. Meu desejo mente, não sou eu. Eu me vejo como um cleptomaníaco que rouba de si — cansei de vigiar os desfalques.

Sofro, portanto, pelos homens que são carregadores de bolsas nas viagens às lojas. Há muito tempo deixei de cumprir esse papel deprimente e submisso. Aceito transportar o tíquete do estacionamento e mais nada.

Alegam que estão sendo enganados. Não se conscientizaram de que estão sendo mesmo enganados.

Eles precisariam relaxar. Não assimilaram o processo histórico apesar da insistência, da reincidência, das repetições quinzenais. “Vamos dar uma volta?” significa retornar no dia seguinte. Significa atravessar quarteirões e quarteirões de manequins até surgirem bolhas nos pés.

A resistência somente aumenta o passeio e a curiosidade feminina. É mostrar indisposição que a mulher fica mais excitada. Mais impulsiva. Mais indomável.

Os namorados e maridos são previsíveis em sua tristeza. Coaxar, para quê? Mal atravessam a porta e perseguem o primeiro banco alto para sentar. Não soltam uma única risada odontológica. Cruzam os braços e insistem em baixar o rosto. Incorporam leões de chácara, vigias, seguranças — trabalham de graça para os lojistas. Não mexem em nenhum dos cabides, não mostram interesse. Desprezam a beleza das atendentes por teimosia, sacrificando a simpatia de rostos harmoniosamente pintados. Acenam afirmativamente diante dos provadores e não opinam mais do que um lindo sobre as roupas.

Aqueles homens são crianças mimadas, contrariadas, emburradas. Dos pais, herdaram a resignação do castigo. Não aproveitam o momento, anulam aquelas preciosas horas de seu expediente amoroso em nome do orgulho.

Poderiam soltar a franga, testar novos modelos, desfrutar da imprevisibilidade cômica.

Caso entrassem em surto consumista, sua mulher raciocinaria duas vezes antes de convidá-lo para as compras. Não é viável um casal com dois gastadores. Deveriam enlouquecer e provar as gravatas disponíveis e pedir para sua companhia fazer o nó. Ou por que não se aproximar do balcão e fingir que é um bar? Solicitar café, água gelada e biscoitos, olha que delícia, sem nenhuma conta ao final. Ao invés de ser puxado, tomar dianteira e anunciar: quero que veja uma loja imperdível de sapatos. Ela se assustará, ela temerá sua alma feminina. Cinderela odeia concorrência.


Crônica publicada no site Vida Breve

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