CHIMARRÃO AO VOLANTE
Já recebi multa por dirigir com o celular. Não tinha nem como contestar – é só mexer no aparelho para acessar o Waze que o flagrante está feito. Mas nunca fui autuado por andar com o chimarrão no meu colo. Acho que jamais alguém recebeu notificação do Detran no Rio Grande do Sul por portar a cuia. Imagine o que seria a improvável redação da lei:"Dirigir tomando chimarrão passa a ser infração gravíssima a partir desta terça. O motorista que for flagrado sugando a bomba ou manuseando a térmica no mate enquanto dirige estará cometendo infração gravíssima, com pagamento de multa no valor de R$ 293,47, além de receber sete pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação)".
Seria o estopim de uma segunda Guerra dos Farrapos. Não agradaria a chimangos e maragatos, gremistas e colorados, testemunharíamos carreatas infinitas com o hino rio-grandense em caixas de som: "Mostremos valor, constância/ Nesta ímpia e injusta guerra/ Sirvam nossas façanhas/ De modelo a toda terra".
Para evitar perseguição regional, os azuizinhos fazem vista grossa ao verdinho. Fingem que não enxergam os equipamentos gaudérios ao volante. Mas eles existem a mancheias.
É uma tolerância que combina com o bom senso. Porque, se chimarrão fosse violação, metade dos motoristas de Porto Alegre extrapolaria a cota de 20 pontos e teria a sua carteira cassada.
No final de semana, é um desfile farroupilha nas grandes avenidas. Basta parar na sinaleira e espiar ao lado que verá um gaúcho sorvendo o seu amargo. Ele é capaz de abrir o vidro e oferecer, dependendo do intervalo longo do semáforo – na junção da Carazinho com a Nilópolis, dá tempo de fazer churrasco até abrir o sinal.
Se o Detran comprasse briga com o estandarte de nossa identidade, as defesas e apelações dos infratores seriam as mais criativas e não assistiríamos a um desfecho para os casos:
– Não era chimarrão, mas tereré!
Há certos crimes tradicionais que apenas acontecem no Estado.
Publicado em Jornal Zero Hora em 15/5/2018