Blog do Carpinejar

COMO NASCE UM FOFOQUEIRO

Arte de Willem de Kooning

O fofoqueiro não nasce levantando o gancho do telefone para ouvir a conversa alheia.

O fofoqueiro não nasce captando o que se fala atrás da porta.

O fofoqueiro não nasce fazendo perguntas indiscretas para depois passar adiante.

O fofoqueiro não nasce na janela do condomínio prestando atenção em quem entra e sai no prédio.

O fofoqueiro não nasce registrando os papos paralelos nos restaurantes e bares.

O fofoqueiro não nasce no salão de beleza, no supermercado, nos corredores dos shoppings.

O fofoqueiro não nasce no churrasco dos domingos.

O fofoqueiro não nasce ao espalhar o que não tem certeza.

O fofoqueiro não nasce de sua maldade na escola, da língua solta no recreio.

O fofoqueiro nasce muito antes. Muito antes.

Descobri quando nasce o fofoqueiro, o exato instante em que ele vem à tona, o momento em que sua alma solitária passa a ser enxerida, em que perde a admiração pelo respeito e silêncio e torna-se um agente do ruído.

Quando seus pais deixam o filho dormir no meio deles.

Quando os pais permitem que seu filho durma por longo período na cama de casal.

Quando seus pais não colocam o filho de volta para seu quarto, sensibilizados pelo medo ou pela chantagem emocional.

A criança aprende que pode se meter na vida dos outros. É autorizada a estar infiltrada na intimidade, apropriando-se do que não é dela. Não recebe nenhuma negativa para estabelecer limites. Age pelo impulso da emoção, inconsequente, pois seus caprichos acabam atendidos com rapidez.

Ficará eternamente confusa sobre onde começa e termina sua liberdade. Pois toda casa é seu berço, todas as pessoas são influenciadas por ela.

Não diferencia o coletivo do particular. Percebe que a manha é uma moeda e que mentir sempre funciona para conseguir o que quer.

Não é inspirada a respeitar os espaços, a consolidar sua solidão, a manter seus segredos e territórios da imaginação.

Por mais bem-intencionado que seja o acolhimento, é um convite para a especulação emocional.

Num simples ato de aceitar que o filho não descanse em seu quarto, validamos que seja penetra das confidências.

Tem um passaporte para chegar a qualquer hora, a qualquer momento, e interferir nos acontecimentos.

Acostuma-se a não ter um lugar, e assumir papéis que não são seus.

O fofoqueiro é o resultado da insegurança dos pais.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 16/12/2014
Porto Alegre (RS), Edição N°
18015

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