Blog do Carpinejar

COMO SER FELIZ NA CIDADE DE FELIZ

Fotos de Ricardo Duarte


Em Feliz, terra de 11 mil habitantes encravada no Vale do Caí, os motoristas ainda ensaboam seus carros, as crianças ainda lavam seus cachorros, os estudantes ainda esperam o feijão brotar no algodão na escola, as faxineiras ainda passam óleo de peroba nos móveis, os pais ainda emolduram fotos da primeira comunhão, os relógios ainda são regulados pelas badaladas da igreja, os homens ainda discutem se Deus existe bebendo cerveja.

Ainda são feitos trotes, ainda se borda, ainda se forra gavetas com papel-presente, ainda se recebe visitas na sala de estar, ainda se descasca laranjas, ainda são feitas contas no papel, ainda há tempo para o leite ferver e o bolo descansar, ainda se deixa a porta aberta e as roupas no varal. Não duvido que a lata de azeite ainda seja furada com preguinho.

É mais simples ser feliz na cidade de Feliz e nem estou falando do alto índice de alfabetização, acima de 98%.

São as delícias das coisas singelas. Colher morangos, por exemplo.

– Em maio, pelos cachinhos, sei que teremos uma grande safra e que não passaremos sufoco. É a minha maior felicidade, eu me sinto uma noiva – conta a agricultora Cátia Martins, 32 anos.

Ela veio de Santa Rosa com o marido, Admir, pela tranquilidade. Não se arrepende. Pôde realizar o sonho de quatro filhos em escadinha, como nas antigas famílias: Felipe (13), Pablo (9), Vinicius (6) e Júnior (4).

Uma das paixões felizenses é andar a pé, passar pela Ponte de Ferro (trazida da Bélgica e instalada em 1900) e espiar como está o humor do Rio Caí. E também aprender um segundo idioma em casa. A dúvida é se a primeira língua é a portuguesa ou a alemã. Para não sofrer com o dilema, fala-se o dialeto Hunsrückisch, originado na região de Hunsrück, no sudoeste da Alemanha, e abrasileirado no sul do país.



A fala é rápida, a ponto de não se perceber diferença entre o nome e o sobrenome.

– Como se chama?

– Talcilolorscheiter

– IlsunStumm

– IraciStumm

– Nossa alegria é trabalhar demais para fazer bastante festa, ter uma hortinha para passar o tempo e um ser vizinho do outro. Aqui não falamos mal das pessoas, falamos a verdade – ri Talcilo, 49 anos, que costuma frequentar a residência do casal amigo Ilsun e Iraci.

Para Clarissa Herter, 17 anos, alegria é comemorar com um folhado de salamito.

– É meu luxo – confessa com o salgado recém embrulhado da Panificadora KS.

Ela acabou de ser contratada para seu primeiro emprego na Hidrojet, como analista, selecionada após um ano de curso.

– Agora falta o primeiro namorado – completa.

Ela se encabula para contar onde mora com a mãe, Marlise. Diz, baixinho:

– Bananal.

Ficar envergonhada é também um contentamento.

Em Feliz, ainda é possível descobrir as espécies dos pássaros pelo canto.

– Tesourinha? Siriri? João-de-barro?

O músico Jair da Silva, 41 anos, o Jabá, vai antecipando os sons do alto das árvores para Andrea Barbosa, 27 anos.

– Assim que ele me canta – ela brinca.

O casal namora toda manhã no Parque Municipal. São 25 hectares de sossego, chimarrão e concerto gratuito de aves.

– Não existe como ser feliz sem o parque – afirma Jair, lembrando que é o local das duas principais festas do município (Festa da Amora, Morango e Chantilly e Festival Nacional do Chope).

– Não existe como ser feliz sem Jair – aproveita Andrea.

Os dois se beijam longamente. Com aquela mansidão boa de banco de praça, de ruas vazias, de amor público.

Perder tempo parece que é ganhar felicidade.








Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
ps. 33, 22/01/2011
Porto Alegre, Edição N° 16588
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