Blog do Carpinejar

DEITANDO O PORTA-RETRATO

Arte de Cínthya Verri

Depois da separação, um envelhece, o outro rejuvenesce.

Não tem mais nada em comum. Divergem de reações. Um resta deprimido e o outro se exibe bem humorado. Um quer morrer; o outro, renascer. Um estará demolido; o outro, refeito. Um demonstra retornar de um campo de trabalho forçado; o outro, de um spa.


Nenhum dos dois piora ou melhora junto.

* * *

Lembro de Ronaldo e Élida.

Ronaldo virou avô de si. Esqueceu o banho, engordou, envelheceu dez anos em duas semanas de solidão, criou rugas, largou o futebol e nossos encontros de pôquer e uísque. Sua casa parecia invadida por um mendigo.

A louça empilhada na pia, a cama desarrumada, a pilha suja da lavanderia, a comida vencida: encarnava um estado de abandono e de geriatria prematura.

Dormia de botas e cinto — desdenhava dos pijamas e dos tecidos cheirosos e alinhados. Atendia o desejo infinito de se castigar.

Não aceitava o fim do relacionamento. Continuava brigando internamente, ralhando, pensando em voz alta porque se achava incapaz de pensar em silêncio. Ofendia seu amor a cada suspiro. Um suspiro com cuspe, falado, exorcista.

Não conseguia parar de discutir, ainda que sozinho. Sofria de uma curiosidade insaciável decidido a descobrir até onde se aguentaria. Com a desistência do par, agora se testava, examinava sua repulsa.

Não se via responsável pelo rompimento, bancava a vítima, o incompreendido, aquele que não contou com segunda chance e tempo para se explicar.

* * *

Do casal que se separa, um vai decair e outro se levantar. É assim. Nenhum dos dois desfruta do mesmo estado afirmativo de espírito.

* * *

Diferente de Ronaldo, Élida virou filha de si. Emagreceu, cortou os cabelos, comprou um guarda-roupa novo, começou a se reunir com as amigas no final do expediente e frequentar baladas. Seu apartamento recém-adquirido parecia ala impoluta de loja de móveis. Tudo no lugar, luzindo.

Seu desempenho no trabalho melhorou. A cada momento, despertava a inveja dos colegas e tinha que responder sobre a repentina mudança de comportamento.

Ninguém lhe dava mais de 35 anos (ela ultrapassava os 45). Ninguém cogitava seu divórcio. Os amigos custavam a acreditar na perda recente. Ela não apresentava olheiras, não fungava ao mexer nas gavetas, seu rosto enfrentava o vento do inverno sem lacrimejar.

* * *

Sempre com a separação, um fica bem, o outro fica mal.

Mas cuidado ao tomar partido. O que mais sofre é aquele que melhora. Tenta chamar a atenção do ex pela alegria, obcecado em provar o que ele perdeu de viver dentro do casamento.



Crônica publicada no site Vida Breve

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