DESEJO, DESPEJO
Arte de Eduardo Nasi
Não suporto mais ouvir a sua voz. Não suporto mais que me olhe. Não suporto mais que segure a minha mão.
Não suporto que mexa no meu cabelo quando recém ajeitei a franja.
Você me irrita profundamente, insanamente.
Você me deixa louca, possessa, como ninguém jamais me tornou assim.
Não me reconheço mais.
Não suporto mais que concorde comigo por preguiça.
Não suporto mais que coloque suas músicas alto.
Não suporto que largue as roupas no chão.
Não suporto que finja arrumar a cama esticando o edredom até o travesseiro.
Não suporto que compre o que não precisava no mercado e esqueça o que realmente pedi.
Não suporto mais lhe ver sentado no sofá trocando de canal sem escolher um único programa.
Não suporto a sua falta de iniciativa para sair.
Não suporto você andando de cueca pela sala.
Não suporto a sua indecisão para definir o almoço e a janta.
Não suporto as suas promessas em aberto.
Não suporto lembrar de suas promessas vencidas.
Não suporto mais conversar com a sua mãe sempre me pedindo paciência.
Não suporto ter paciência.
Não suporto mais explicar o que estou fazendo.
Não suporto mais interromper a leitura para comentar se o livro é bom.
Não suporto mais dividir os meus amigos e repartir a felicidade que era unicamente minha.
Não suporto mais você cortando as unhas em cima da mesa.
Não suporto os frascos abertos no banheiro, a pasta espremida no meio, a gilete suja na pia.
Não suporto mais a sua generosidade quando tem culpa, o seu orgulho quando erra.
Não suporto mais a sua mania de perder o celular dentro de casa, pondo-me a ligar para achá-lo.
Não suporto mais a sua educação na briga; soa falsa, soa cínica.
Não suporto mais você em minha frente, falando em minhas costas, dormindo ao meu lado.
A implicância é uma atenção extrema. Eu lhe desejava tanto, e hoje eu pretendo somente desaparecer, não existir mais em você, sumir dentro da caixinha do nome.
Quero gritar, socar seu rosto, bater em seu peito até cansar os braços e despertar a vontade de abraçar, beijar chorando, pedindo desculpa pela paixão desajeitada da nossa convivência.
Talvez a aversão seja uma outra versão do amor. Talvez eu entenda só agora o que é o casamento para tentar de novo.