Blog do Carpinejar

DORMINDO SEMPRE JUNTOS, NA MESMA HORA

Arte de Gustav Klimt

Quando sua companhia se levanta, rola para cheirar o travesseiro dela?

Você é apaixonado por dividir, desculpe informar. É constrangedor confessar a dependência, mas não resta alternativa. Nunca será mais sozinho. É uma simbiose amorosa por dentro das lembranças, dos hábitos, que surge no modo de repartir uma tangerina e pôr açúcar no café. Uma necessidade de primeiro servir para depois saciar as próprias ansiedades.

Entregou os pontos ao abandonar seu horário para dormir. Renunciou ao livre-arbítrio no momento de atender ao chamado sedutor de sua esposa.

– É tarde, te espero?

Aquela desistência foi fatal. Pode ter classificado o gesto como uma exceção, só que gostou de verdade, gostou imensamente de adormecer com sua mulher. Ambos apagando o abajur em igual instante, depois de ler, de rir, de brincar. Sincronizaram o relógio dos batimentos cardíacos e nunca houve mais atraso de beijo.

Amor eterno é quando um não consegue mais dormir sem o outro. Simples assim. Deseja descansar, e convoca sua mulher na sala.

– Vem, tá na hora!

E ela, que estava envolvida com um filme ou um programa de tevê, nem reclama, nem diz mais um minutinho, ajeita os ombros no cobertor do seu abraço e segue junto.

Lado a lado no espelho do banheiro, escovam os dentes, ajeitam o rosto, colocam roupas folgadas. Reina uma sincronia dos movimentos, uma disciplina na admiração. Alguns até confundem com tédio, porém é intimidade: não precisar falar para se entender. Se silêncio com ódio é submissão, silêncio com ternura é concordância.

Escoteiros do casamento, entram no mar branco dos lençóis cada um do seu lado: ela pela margem esquerda, ele pela margem direita. E centram os corpos para fazer conchinhas encostando as cabeças. Um casal apaixonado ocupa menos do que uma cama de solteiro: terminam agarrados, sobrepostos.

Você se dá conta de que não deita mais sozinho há décadas. É uma compulsão olfativa. Está no escritório trabalhando de madrugada, e ela abre a porta para convidá-lo:

– Vem, tá na hora!

E não estranha a ordem, obedece, sequer medita sobre o motivo da adesão. Vai, sem preguiça alguma, sem aviso de bocejo, ainda que não esteja com vontade, ainda que tenha uma porção de tarefas e problemas a resolver. Larga as urgências pela metade e se prontifica a acompanhá-la.

Casal quando se ama dorme na mesma hora. E não suportará morrer longe. O sonho é também morrer na mesma hora. Com as respirações próximas.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 24/04/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 1749

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