FIM DE UM CICLO, NÃO DO AMOR
A precipitação é perigosa. Por querer o que foi bom um dia, não aceitamos a mudança dos sentimentos.Ter paz não é tédio. Ter carinho de vez em quando não é pobreza emocional. Transar uma vez por semana não é o apocalipse conjugal.
Confundimos o fim de um ciclo com o término da relação. Confundimos o descanso com o cemitério.
Não é que você vem desamando, o amor ora nervoso se transformou em estabilidade.
Passou da rebentação e se tranquiliza para as braçadas. No raso, as ondas quebram e fazem o dobro do barulho. Quando encontra a afinidade, consegue boiar no olhar do outro. O mar é igual, somente se encontra mais no fundo dele.
Não há mais aquelas brigas homéricas, as discussões duram cada vez menos. Não há mais aquelas viradas sexuais de madrugada, a intimidade tem seus atalhos. Não há mais aquelas conversas intermináveis na cozinha, os horários são mais honrados. É o fim de um ciclo, não é o último capítulo do romance.
Existe uma pressão para que os casais sejam sempre adolescentes apaixonados, agarrando-se em qualquer lugar, com a ansiedade da língua entre os dentes. Mas o casal cresce e aprende a amar no silêncio, na telepatia de uma música, no sofá da preguiça, na companhia de um livro, na dança separada da rotina. O amor público e escandaloso do início torna-se privado e constante. Não é pior, nem melhor, é uma fase necessária para seguir se conhecendo. Já convivem para saber o que é certo e errado, o que deve ser dito ou não, o que causa confusão e o que traz segurança. É a experiência de antever os problemas e procurar soluções antes do choque. Suspira-se no lugar de gritar, afasta-se no lugar de implicar.
Pode sugerir que cansou e que se acostumou, pode transparecer cedência, retração e anulação de personalidade. Pois não se vê com o mesmo vigor e intensidade de antes, com a mesma selvageria do desejo. Só que a consolidação do namoro prevê exatamente a baixa da guarda e das defesas.
Quantos pares se separam por acreditar que o relacionamento se amornou? E não é verdade, os laços estão distintos, costurados em amizade e entendimento. A adrenalina da aventura é agora o respeito às diferenças.
Temos a necessidade de impor a paixão como demonstração de amor. O amor fala por si, não admite comparação. Envelhecer juntos requer a solidão a dois. Uma solidão feliz e pacífica.
É quando o casamento não divide apenas o espaço, divide o mais difícil de se repartir: o tempo.
Publicado em Jornal Zero Hora em 21/05/17