Blog do Carpinejar

INCONSCIENTE CASADO

Arte de Eduardo Nasi

Ela tinha consciência absoluta de que não poderia mais ficar com ele, que não se entendiam, que sofriam falta de sintonia e defendiam projetos extremamente opostos.

— Enquanto vou, ele volta. Eu só vejo erro nele, ele só vê erro em mim. Sei que não posso ficar junto, mas jamais consigo ficar longe. Eu o amo, mas perto eu o odeio. Há a clareza de que ele não me faz bem. O que me recomenda?

— Nada, talvez rezar, talvez relaxar já que nada funciona. Sua consciência quer ser solteira, mas seu inconsciente é casado com ele.

Enquanto respondia minha amiga num bar cascudo na Cidade Baixa, eu fui tomado por essa ideia. Havia muito sentido naquilo que dizia.

Temos dificuldade de captar a lógica da união de casais que vivem discutindo, brigando e se ofendendo. Não deciframos o motivo de permanecerem num casamento se é para sofrer. Não desvendamos o enigma após a sucessão de barracos, escândalos e quebradeiras. Cansam o senso comum, esgotam a paciência dos amigos, perdem o apoio dos familiares.

É que eles podem estar se amando pelo irracional. São incompatíveis na aparência, mas inseparáveis na essência.

Encontram sua harmonia no sexo, na explosão física, quando se beijam e se lambem e se entregam sem usar a cabeça, quando não analisam os fatos, quando não interpretam o comportamento um do outro, quando relaxam das amarras e censuras, quando depõem as armas e vaidades e esquecem a disputa da razão e do certo e errado.

Quando se oferecem apenas pelo toque, pelo silêncio ofegante, pela realeza dos ouvidos.

São melhores como bichos do que como homens. São melhores na ausência de pensamento, no contato físico, primitivo, total, na comunicação não verbal.

Eles se conectam pelo instinto, pelo cheiro, pela doação selvagem.

Perante a sociedade, são divergentes. Entre quatro paredes, convergentes.

Perante a sociedade, travam um duelo. Entre quatro paredes, formam um dueto.

E são muito mais carinhosos pelo tato do que pela fala.

Neles, a pele une o que a palavra separa.

É uma quebra de padrão, pois estamos acostumados a enxergar o irracional como sinônimo de agressividade e de violência.

Esses pares malucos, inadequados e inoportunos têm um irracional afetivo, um irracional terno, um irracional amoroso.

Ríspidos e grosseiros na racionalidade, por sua vez, lá no inconsciente, não se largam e se complementam. Demonstram um equilíbrio perfeito na cama. Como se fossem dançarinos de longa data.

A separação será incompreensível como a própria convivência. Porque são felizes em algum lugar desconhecido dentro deles.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
6/8/2014

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