LENÇO DE PANO
Arte de Magritte
Minha infância já foi inteiramente de pano: as fraldas, os cueiros, os guardanapos, tudo se sujava e se lavava. Nada era descartável.
O uniforme escolar incluía um lenço branco, guardado no bolso do abrigo.
Mesmo quando a merendeira se transformou numa mochila de três quilos de cadernos e livros, permanecia transportando o paninho branco para prevenir espirros e coriza (o Kleenex custava caro, e seu uso se restringia a consultórios médicos).
O lenço representava um item obrigatório durante o dia. Formava um sinal de educação assim como repartir os cabelos ao meio com brilhantina e nunca cansar de dizer “por favor”, “com licença” e “obrigado”.
Antes de sair, a mãe me lembrava de levar o lenço mais do que o casaco. O objeto dividia a gaveta com as cuecas e as meias. Sem ele, ficaria nu socialmente.
Dobrei muita gripe em seus quadrados, livrei-me de vários constrangimentos em seus vincos.
Lenço não se emprestava a irmão ou ao colega. Poderia ser oferecido num ato de gentileza e socorro, mas nunca emprestado. Havia nele uma exclusividade de escova de dente. Participava do enxoval de amadurecimento, ao lado da toalha de banho e de rosto. Para não ser extraviado, trazia as iniciais do dono.
O simpático adereço com rendas nas bordas atravessava todas as idades. Atendia, ao mesmo tempo, à higiene das crianças e à aparência dos adultos. Dos fundilhos da calça subia o andar da roupa e se instalava no bolso do paletó como sinônimo de elegância.
Um autêntico cavalheiro não andaria na rua sem o buquê de linho na lapela. Ajudava a secar o suor do rosto, e consistia numa potente arma de sedução: sacado na hora H para conter as lágrimas das mulheres e evitar o borrão da pintura. Bastava ceder o lenço, que a dama suspirava. Em contrapartida, a mulher conservava um lenço de reserva na bolsa para limpar o sangramento masculino da boca, quando o sujeito se engalfinhava com concorrentes por amor a uma musa.
Fui procurar um lenço movido por nostalgia, para dar aos meus filhos. Devassei as lojas e feiras de artesanato e não achei o produto. Tinha que explicar ainda. Explicar nos envelhece.
– Tem lenço?
– Lenço?
– De pano, de nariz, de enxugar a testa?
– Ah, sim, isso é muito antigo, não tem não.
Não se vendem mais lenços em Porto Alegre.
Não verei de novo aquela cena portuária das pessoas se despedindo com as pequenas bandeiras brancas.
Lenço nos ensinava a acenar. Era o professor da despedida. O professor de nossa saudade.
Adeus, lenço!
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 20/12/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16923