Blog do Carpinejar

MAIS DO QUE AMOR 20: AMOR 21

Arte de Eduardo Nasi

Não há maior orgulho materno do que cuidar de uma criança com síndrome de Down. 

O rosto de mãe já é coberto de ternura. Mas o rosto de mãe de uma criança portadora é de uma pureza contagiosa. Rosto transfigurado pela doação. E pela recompensa de ver o filho crescendo miudamente.

Eu tenho arrebatamentos ao avistar uma mãe caminhando com seu filho na praça.

Ela não se entregou para aparência, não escondeu a feição de seu rebento em nenhuma imagem, não se diminuiu em preconceitos, não fugiu dos amigos e familiares, descobriu a beleza dos olhos graúdos e oblíquos pescando o infinito, a delicadeza daquelas orelhas pequenas que lembram uma boca fazendo bico para a foto.

Não se arrependeu em nenhum momento e nem rifou sua paz pela idealização.

Assimilou a lição de que o que vale é um dia atrás do outro. O que vale é o dia imperfeito (o dia imperfeito é o que completamos, o dia perfeito se faz sozinho).

Um filho com síndrome de Down é inteiro porque se comemora também os números quebrados de cada façanha.

Ele não aprende a andar uma única vez, aprende a andar sempre. Ele não aprende a falar uma única vez, aprende a falar sempre. Ele não aprende a amar uma única vez, aprende a amar sempre.

A repetição aperfeiçoa a intimidade e cristaliza os laços.

Não há o extremismo da ternura. Extremismo é imaturidade: ou é o meu sonho ou será o pesadelo daqui por diante.

Compreende-se que viver é provisório, um meio-termo, aceitar o possível.

Melhor o que é real e pode ser dividido do que aquilo que é imaginário e morre com a gente.

Ela passeia com uma altivez de mãos dadas que deve influenciar o voo dos pássaros e o salto dos gatos.

Não sinto pena, não sou contraído por compaixão, é admiração pura.

Não sofro pontadas de curiosidade, é encantamento mesmo.

Invejo a entrega irrestrita, generosa, compreensiva.

— Aquilo é amor! —, minha ânsia é apontar e completar as palavras com as mãos.

Ela tem o dobro de preocupações, porém recebe o dobro de esperança.

É como se sua criança jamais abandonasse o apelo infantil, a honestidade infantil, a confiança infantil.

Trata-se de um outro diálogo, em que exige paciência para ouvir e conversar.

O tempo suspende seu passo de ponteiro, ela baixa a cabeça para entender o que está sendo desejado pelo seu filho.

Não escuta correndo, distraída. Não escuta avoada, dispersiva. Escuta olhando nos olhos.

É óbvio que a criança tem uma outra fé no mundo quando tem alguém para si que só fala olhando nos olhos.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
7/5/2014

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