Blog do Carpinejar

MOCREIA

Arte de Osvalter


Eu descobri o que é a vulgaridade: o desinteresse.

Quem fala um palavrão apaixonado não será vulgar. Não será tosco. Acredita naquilo, colocará sua vida entre os dentes para estalar o chicote do desaforo.

Quem fala um palavrão por estilo, sem necessidade, acaba se vulgarizando.

Quem se oferece por excitação abarcará o peso da palavra dita, da palavra retirada, não será vulgar. Abraçará o suspense entre o pensamento e o som. O único acordo ortográfico que conheço é conciliar o que se pensa com aquilo que se deseja e conseguir ser compreendido.

Quem se oferece por hábito e técnica será tão vulgar quanto a marca do biquíni acima da calça.

A indiferença é vulgar. Não são vulgares a sensual abaixadinha e cada um em seu quadrado. O funk pode ser explosivo.

Não são vulgares os saltos enormes, os lábios pintados de vermelho ou o laquê ou qualquer adereço escandaloso. Um travesti pode ser muito elegante.

Vulgar é quem cobra por apresentação da alma durante as folgas. Não escuta os outros, não se reparte, confia que o amigo é espectador e que todos estão adorando sua companhia.

Há uma diferença entre a vulgaridade e soberba. Alguns merecem a soberba. Há uma diferença entre a vulgaridade e a maldade. A maldade tem sentimento.

Dei um giro noturno com minha namorada e sua amiga. Em cada bar que entrávamos, ela passava a mesma cantada ao porteiro com o interesse de arrebatar privilégios e uma mesa maior. Entoava um sopro infantil, acentuava os joelhos numa oferta despropositada. Sua voz era pedófila.

Bonita, pernas trabalhadas pela dança, vestido curto, rosto carismático, mas vulgar. Não alterava nunca a velocidade dos olhos não importando a lembrança. Falava com desdém, com certeza de toga emprestada para a formatura. Não estava familiarizada com o talvez, a dúvida, a hesitação. Unicamente admitia se corresponder na quarta e quinta marchas. Não voltava atrás num assunto, não dava a mão para uma conversa, não declinava de uma opinião. Seu lema: ou me acompanhem ou deixo vocês. Ela se via como a gostosa, a poderosa, a invencível, mas vulgar, porque não conquistou em nenhum momento o direito de ser conhecida. Demonstrava um talento absurdo para grosserias. Foi com o garçom, foi com o vizinho do balcão, foi com os colegas que encontrou na rua, foi comigo.

Brincava que minha namorada me chamava de gay heterossexual. Pelo excesso de cuidados e gentilezas. Ela nem me encarou. Virou os cabelos, abstraída de ternura:

— Se não fosse tão feio, seria gay.

Desprezou sua amizade antiga com a namorada, desprezou o que eu significava, cometeu um preconceito longe da paciência para convertê-lo em piada.

Vulgar. Como animais em cativeiro. Ela não sabe, nem saberá, até para avisar de nossa morte dependemos de pele.



Crônica publicada no site Vida Breve

Fale comigo

Contrate
agora uma 
palestra

Preencha o formulário para receber um orçamento
personalizado para a sua empresa ou evento.

Termos de uso e politica de privacidade