O ESCÂNDALO MASCULINO
O homem pode matar barata com os pés descalços, não tem medo de esmagar mosquito com as mãos, mas ainda não consegue enfrentar uma mera gripe.Arma um escândalo quando está gripado. É como se fosse desmaiar. É como se fosse um ataque de asma, uma pneumonia. Força a tosse, e só descreve as suas dores com resmungos. Joga o corpo para frente em uma epilepsia histriônica. Deita no sofá e lá fica na posição de almofada.
Transforma-se numa criança incapaz de medir a própria temperatura, de buscar remédio e preparar chá. Toda namorada é convertida em mãe, em enfermeira, em babysitter.
A casa torna-se uma creche, com as roupas espalhadas e objetos fora do lugar.
Enquanto a mulher gripada não diz nada, medica-se e segue com o trabalho, o homem realiza uma ópera. Entra em pânico, é preciso reinstalar o Windows do sujeito.
O nariz escorre coriza e reage com o espanto de sangue. Ele quer ir para o hospital, acha que vai morrer, recusa o banho, puxa as cobertas aos ombros, treme de frio a ponto de bater o queixo, responde a mesma pergunta na quarta tentativa, alucina de olhos abertos.
Qualquer pessoa de fora jura que ele está chapado ou é um péssimo ator. Não dá para acreditar na autenticidade dos sintomas. Não existe progressão gradual. O cansaço já é lassidão, a derrocada, violenta e imediata, não subiu degraus.
É um simples resfriado, e já pede para a namorada telefonar para o emprego no seu lugar e arranjar um atestado. Não encontra valentia nem para ligar para o seu chefe.
Ninguém descobrirá se dessa vez é grave porque sempre é grave. Finge se afogar nas primeiras expectorações. Há um retrocesso etário em poucas horas. Conforme aumenta a febre, diminui a idade.
Antes de perder a paciência com o seu eleito e rebaixá-lo de herói dos insetos a covarde das dores, a ciência provou que o sistema imunológico masculino é mais fraco do que o das mulheres e, ao mesmo tempo, ele tem mais receptores de temperatura no cérebro, o que intensifica e amplia os efeitos.
Perdoe a birra incurável no homem.
Publicado em Donna ZH em 04/02/2018