Blog do Carpinejar

OLHO ROXO

Arte de Tereza Yamashita



Ele sentou de lado para conversar de frente. Depois escondia a face. Além dos óculos escuros, um adereço que utiliza exclusivamente para enterros.

— O que foi?
— Nada.
— Mostra, vai? O que está tapando?

O amigo Mário Corso não experimentava tranquilidade. Tive que arrancar seus dedos da cara para descobrir um inchaço debaixo das pálpebras, quase um segundo nariz respirando em linhas escuras.

— Apanhou?
— Não, foi a Diana. Pulou na piscina e foi me abraçar, suas unhas fincaram de jeito na carne.

Ele é ruivo. O hematoma fica mais acentuado na pele branca. Se meu comparsa pudesse, sairia de casa com uma máscara de gripe suína. Mentiria que se prevenia de uma nova corrente de surtos que vinha do Afeganistão.

Arredio, nervoso, buscava se esquivar do exame assustado dos fregueses do bar. Temia inclusive o barulho do gelo do copo e a sombra do vidro. Seu constrangimento era maior pelo fundo doméstico e cômico da cena. Todo mundo pensaria que se meteu numa briga e nem isso aconteceu. Não tinha como se vangloriar de pose de valentão porque simplesmente se encabula ao mentir.

É capaz de remorsos fundos, de acreditar que agiu mal diante do pulo involuntário da esposa. Não queria ter sangrado. A sangueira encabulou, gerou culpa. Os dois não mais relaxaram, envolvidos em desculpas, curativos, pomadas e comiserações. Fecharam a conta no hotel e anteciparam o regresso das férias.

Não havia como explicar, mas ardi em inveja. Eu desejava ostentar aquela marca garbosa. Por que não fui escolhido? Para quem não tem olhos azuis, o olho roxo é uma dádiva. Seria imediatamente prepotente. Ostentaria o machucado, talvez fizesse uma sinalização de esparadrapo, um heliporto para os mosquitos. Cumprimentaria estranhos, levaria os braços à cabeça para atrair a curiosidade. Aquela lesão traria uma dignidade. Uma confiança hostil e excitante.

Ganharia assento no ônibus, passaria à frente nas filas bancárias, sobrariam vítimas para histórias malucas, despertaria interesses humanitários.

É um ímã de mulheres. Mais do que uma tatuagem de dragão ou bíceps avantajados. Elas se interessariam pela sua origem, me achariam perigoso, enigmático.

Nenhuma namorada nunca me bateu. Faltava essa medalha de guerra, essa etiqueta de passionalidade, essa luta vencida ponto a ponto. Mesmo que por um acidente.

Meu rosto ainda é de uma criança.



Crônica publicada no site Vida Breve

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